10 anos de BANTUMEN, Angola no banco da frente com Phedilson

24 de Maio de 2025
10 anos de BANTUMEN, Angola no banco da frente com Phedilson
📸: Phedlison

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Na sexta-feira à noite, Lisboa, no Musicbox, os 10 anos da BANTUMEN foram celebrados como se fosse um reencontro de família grande: com gargalhadas altas, abraços demorados e aquele calor no peito que só aparece quando nos sentimos mesmo em casa.


À entrada, já se adivinhava que a noite ia ser especial. A casa estava quase cheia e a sensação era de cumplicidade. O público não foi só assistir, foi partilhar. Partilhar o tempo, o respeito, a música e as memórias. O ambiente trazia consigo a força de um percurso que tem sido feito com muita entrega, muitas escutas, e com a convicção de que contar as nossas histórias, nas nossas palavras, é um ato de afirmação.


Entre o público, rostos familiares e figuras que dispensam apresentações. OG Vuíno, lenda viva do hip hop angolano, marcou presença com a mesma postura discreta e firme que o caracteriza. O humorista Gilmário Vemba, o designer e agitador cultural Manjuco Vié, a cantora e tiktoker Suzana, o ex-repórter e apresentador de televisão Yannick Moreira, entre outras caras conhecidas da cena artística e cultural angolana também se fizeram presentes.


A anfitriã da noite foi a humorista angolana Geovannia Moura. Subiu ao palco com a segurança de quem sabe bem onde está e a quem está a falar e levou, claro, a sua Mafalda Matilde, a angolana mais portuguesa de sempre. Entre piadas afiadas e mordazes, o sarcasmo é arma e riso, e Geovannia usou-o com mestria. Foi a escolha perfeita para abrir uma noite que além de celebração era também crítica, contexto e afeto.


O primeiro momento musical veio com Cynthia Perez, que surgiu acompanhada por Gari Sinedima, amigo e cúmplice de palco. Cantaram “Coração Tambor”, “SaraxMamã” e fecharam com “Um Corpo Só”, o seu single de arranque lançado em 2024. Foi uma atuação intimista, sem pressas, onde cada palavra parecia escolhida à mão. A plateia ouviu de perto, com atenção, como quem reconhece que ali está algo que merece ser absorvido com todos os sentidos.


Depois, veio quem todos esperavam, a estrela da noite: Phedilson, nome que atravessa Angola e Portugal com a mesma intensidade. “Surra” abriu o alinhamento e, logo a seguir, “Ene Akwetu” pôs o Musicbox em ebulição. Vieram “Eterno” e “Nós Somos”, e com elas, a certeza de que nada no seu percurso aconteceu por acaso. Phedilson é rapper mas é, sobretudo, contador de realidades, é cronista da vivência “da gente como a gente”.


Por volta das 22h45, foi a vez de Harold entrar em cena. Com sangue moçambicano a correr-lhe nas veias, foi o único artista não angolano da noite e trouxe consigo o peso de uma ligação real com Phedilson. Juntos cantaram “Deus Queira” e “Corre”, dois temas que nasceram na primeira temporada de Phedilson em Portugal. O público soube sentir a irmandade que ali se via, era partilha de palco, mas também de percurso, de visão, de código.


Quem roubou o palco a seguir foi Hélia Sandra. Assim que abriu a boca, não houve mais nada a acontecer na sala. A sua voz atravessou a longa câmara sonora do Musicbox com potência e ternura ao mesmo tempo. Mostrou que não canta só sobre amor, canta com entrega total. Lembrou o Nagrelha ao interpretar “Comboio” dos Lambas, e foi emocionante ver a homenagem feita com tanta alma. O ponto alto veio com um medley da música “Lua”, de Ivandro, recentemente distinguida com o certificado de diamante em Portugal. No meio do tema, Phedilson regressou para cantar com ela “Segunda Rodada”, num momento que elevou a noite para outro patamar emocional.


Seguiram-se os sons de “Preguiçoso” 1 e 2, “Escolhas” e “Young King”. A cada música, Phedilson ia abrindo mais do seu caminho. Era quase uma aula sobre identidade, sobre superação, sobre como se constrói algo do zero, mesmo quando o mundo parece dizer que não vale a pena tentar.


Depois entrou Jimmy P. Juntos cantaram “Slow Down”, e a seguir, desafiaram-se num freestyle ao vivo. Sobre a provocação “os rappers de hoje não estão a reppar nada”, Jimmy P respondeu com barras soltas, afiadas, seguras. Aquilo não foi para mostrar habilidade, foi para lembrar que a lírica ainda vive, e que há quem saiba usá-la.


De volta ao centro do palco, Phedilson chamou o seu amigo Eddie. Partilhou com o público uma história de quando tentou cantar ao vivo pela primeira vez, mas correu tudo mal. “Depois daquele fiasco, decidi ser um rapper fodido… e depois descobri que fodido é pouco.” Foi um momento de riso e humildade, onde as lágrimas acabaram mesmo por escorrer da cara dos dois amigos. Serviu também para mostrar que, por trás do artista respeitado, está um miúdo que tropeçou, tentou, caiu e decidiu continuar e é exatamente por isso que tanta gente se revê nele.


Outro Eddie subiu ao palco pouco depois. Eddie Pipocas, co-fundador da BANTUMEN, fez questão de agradecer a todos pela presença e relembrar como a plataforma se cruzou com a carreira de Phedilson desde os primeiros passos. Já lá vão dez anos de entrevistas, sessões fotográficas, lançamentos. Lembrou o EP Independências, feito em 2015 com S Bruno e Mauro Feijó para assinalar os 40 anos da independência de Angola. Este ano, quase como num ciclo completo, a celebração dos 50 anos voltou a trazer Angola ao centro, agora não como tema, mas como presença transversal.


Enquanto tudo isso acontecia, SprayLover pintava. Numa das laterais do espaço, foi criando ao vivo uma tela em homenagem ao rapper. A colaboração entre ambos já tinha dado origem a um mural algures na periferia de Lisboa. E tudo começou de forma orgânica: SprayLover, descendente de angolanos, publicou nas redes sociais um vídeo a grafitar com uma música de Phedilson como banda sonora. A ligação evoluiu e o artista visual foi recentemente convidado a viajar até Angola para participar no festival Malarte, onde dará formação sobre grafite. A ação desta noite teve o apoio da Lacoste e da loja VandalParadise, referência no universo de streetwear e graffiti em Almada.


Às 23h40, as luzes baixaram. Mas ninguém queria sair. O que se viveu ali foi mais do que um concerto ou uma festa. Foi uma confirmação: de que a BANTUMEN continua a ser essencial, de que o trabalho continua necessário, e de que há um público disposto a estar presente, a aplaudir e a construir junto.

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