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Pode algo tão tangível como um prémio coadunar-se com a arte de fazer arte?
O reconhecimento artístico vem somente da atribuição de um prémio? Se a arte liberta, por que é que os prémios e os números parecem oprimir?
Quem merece, por que merece? Estão os prémios ao alcance de todos? O princípio da meritocracia aplica-se na arte? São os números? É a indústria que define quem são os vencedores ou merecedores de um galardão ou o povo é quem mais ordena e a arte quem mais reina?
Não diabolizarei os prémios e encontro neles o mérito que podem ter e o que podem potenciar mas deixo a minha reflexão.
Quando pensamos na nossa sociedade, em que os números de visualizações, likes, streams, dinheiro, influência parecem ditar quem é digno merecedor de atenção podemos congelar, enquanto artistas, perante a nossa “pequenez”, mas será que os números e prémios dizem a verdade? Por outro lado a arte e o objecto artístico podem ( quanto mim devem) bastar-se e serem o princípio e o fim em que o prémio é ser, fazer, existir.
Para um artista um prémio é um reconhecimento público do seu talento, do seu esforço, da qualidade da sua arte e daquilo que é o seu contributo cultural. Felizmente que esse reconhecimento não acontece apenas sob a forma de um prémio físico ou reconhecimento mediático.
Recentemente cantei numa belíssima homenagem à nossa Sara Tavares. Vários cantores PALOP de diferentes quadrantes se juntaram à festa e com o público entoámos verdadeiros hinos que serão eternos e reflexo da qualidade musical desta artista sem que a estas canções estivessem associados números arrebatadores ou prémios, aliás o 1º prémio mais visível que a Sara recebeu acabou por estar associado a uma musicalidade que já nada tinha a ver com o legado que nos quis deixar e deixou. Por outro lado, os prémios “Chuva de Estrelas” e “ Festival da Canção”, numa outra era em que todos víamos televisão e a mesma televisão, permitiram que o grande público pudesse identificar a artista e a sua obra dando uma espécie de selo de qualidade. Vimos isto a acontecer ao Dino d’Santiago com os inúmeros prémios que tem acumulado.
Ainda nessa ocasião do concerto de homenagem a Sara Tavares além do emocionadíssimo público no qual se incluíam vários artistas, ouvi várias pessoas partilharem que antes de ser amigo ou privar com a Sara eram já grandes admiradores da sua obra o que me faz pensar que o maior prémio é o legado. E esse legado constrói-se com trabalho.
Enquanto comunidade PALOP, não deixo no entanto de ver nas premiações um potencial de oportunidades. A oportunidade de transformar artistas emergentes em nomes reconhecidos nacional ou internacionalmente já que o nosso contexto africano muitas vezes tem poucos mecanismos institucionais de apoio à arte, poucas políticas culturais e os prémios podem funcionar como ferramentas fundamentais para descobrir e apoiar jovens artistas, garantindo a continuidade no trabalho artístico ou abrindo portas para ligações futuras. Prémios nacionais e internacionais podem também facilitar a colocação dos artistas dos PALOP no cenário global, dando visibilidade a produções que muitas vezes enfrentam limitações de financiamento ou de infraestruturas, aumentando o prestígio das obras dos países lusófonos africanos nem que seja com a amplificação através dos media.
A ligação histórica, cultural, política, social e linguística que une os PALOP é uma forma de reconhecer e preservar a memória coletiva pode ser indutora de maior união e conexão mas também de promoção de expressões artísticas que refletem a diversidade cultural africana, muitas vezes marginalizada nos circuitos internacionais. É com entusiasmo que vejo os CVMA, por exemplo, incluírem artistas de outras geografias para celebrar a cultura cabo-verdiana e não só, valorizando a identidade local também de outros países reforçando o papel da língua portuguesa como veículo de expressão artística, ao mesmo tempo em que valorizam o uso de línguas nacionais e expressões culturais locais. É também com regozijo que vejo o facto de ser o público a votar e isso pode significar ampliar o alcance de uma obra através de quem sente através da premiação de diferentes estilos, origens e vozes, contribuindo para a valorização da diversidade cultural quiçá orientando o entendimento do que é inovador ou significativo em determinado período mas até que ponto isto não é enviesado pela indústria?
O Sol quando nasce infelizmente não nasce para todos e a maior dificuldade que tenho em lidar com este tipo de reconhecimento através de prémios é o facto de saber que o elitismo, favoritismo ou mesmo preconceitos de um júri e de uma indústria podem minar a inclusão de outros artistas que não cumprindo os padrões mais convencionais acabam por ser ignorados e deixados de fora. A “ditadura do algoritmo”, dos números que de forma selvagem assombram, de quem a indústria quer visibilizar podem ser um impedimento na diversidade da premiação. Além do reconhecimento, um prémio pode significar também uma validação de um artista, mas quem dita essa validação? As editoras, as produtoras, os críticos, outros músicos, as plataformas digitais ou o público?
Enquanto artista vou evitando e fugindo a sete pés de concursos, mas também enquanto artista vou sendo convidada para avaliar a arte dos outros e custa-me entrar em comparações ditando quem é o justo merecedor do prémio, seguindo sempre o meu instinto daquilo que tocou o meu coração porque arte é isto que choca, envolve, emociona, enoja, liberta, repulsa, arrepia, faz chorar, dançar, recordar e não tem comparação possível. A arte não pode ser um lugar de competição mas sim de liberdade e é nessa liberdade criativa que a arte tem este tremendo poder transformador da sociedade. Reconhecer os artistas e a sua arte é reconhecer o valor de uma nação, de um povo e da sua capacidade criativa e de conexão.
Que esse reconhecimento seja plural, extensível e acessível a todos porque os prémios não determinam o valor de quem não os recebe.
A arte, para mim, é o próprio sustento, é uma espécie de inevitabilidade à qual não posso fugir.
Ver reconhecida a minha arte pode trazer uma alegria mas esta é efémera e é a inquietação que me faz produzir e não a necessidade de validação e espero que isso continue a bastar-me e a criar oportunidades para chegar a outros através daquilo que é o meu exercício de reflexão e expressão.
Celebremos os prémios mas que viva a arte muito mais do que o efémero galardão.
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