A primeira mulher negra em 128 anos: Ana Maria Gonçalves eleita para a Academia Brasileira de Letras

11 de Julho de 2025
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Fotografia de Léo Pinheiro | Divulgação

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Ana Maria Gonçalves, romancista, ensaísta e referência da literatura afro-brasileira, foi eleita esta quarta-feira, 10 de julho, para a cadeira número 33 da Academia Brasileira de Letras (ABL), tornando-se a primeira mulher negra a integrar o grupo dos "imortais" - o lema da instituição é Ad immortalitatem (Rumo à imortalidade) - em 128 anos de história da instituição.


A autora de Um defeito de cor, Gonçalves recebeu 30 dos 31 votos possíveis, vencendo uma eleição disputada por outros onze candidatos, entre os quais a escritora indígena Eliane Potiguara. Aos 55 anos, passa também a ser a integrante mais jovem da ABL atualmente em exercício.


“É um acontecimento histórico”, fez saber após a eleição. “A presença de autoras negras é uma realidade no sistema literário brasileiro. O mercado editorial já sabe, a universidade está aprendendo, a crítica literária tem se revelado menos cega do que já foi. Instituições tradicionais como a ABL demoram ainda mais tempo para perceber que literatura é movimento, não algo estático. Elas são as grandes defensoras do cânone, que é sobretudo uma força de retenção do que já é.” A entrada da autora na ABL tem sido apontada por diversas fontes como um marco institucional com significado simbólico, num país cujo cânone literário oficial negligenciou, durante décadas, a produção intelectual negra.


A Academia Brasileira de Letras foi fundada em 1897 por Machado de Assis, e manteve, durante mais de um século, uma composição predominantemente masculina e pouco diversa em termos étnico-raciais. Até agora, apenas dois homens negros haviam integrado a instituição: o músico e ex-ministro Gilberto Gil e o filólogo Domício Proença Filho. A eleição de Ana Maria Gonçalves representa a primeira vez em que uma mulher negra ocupará a 33.ª das quarenta cadeiras da casa, anteriormente ocupada por Evanildo Bechara, linguista e gramático, falecido em maio de 2025.

Publicado em 2006, Um defeito de cor tem quase mil páginas e acompanha a história de Kehinde, uma mulher africana sequestrada em criança e trazida como escravizada para a Bahia do século XIX. Escrita como uma carta dirigida ao filho perdido, a narrativa percorre temas como escravatura, deslocamento forçado, práticas religiosas afro-brasileiras, relações familiares e resistência. A obra recebeu o Prémio Casa de las Américas em 2007, vendeu mais de 180 mil exemplares e inspirou o enredo da escola de samba Portela em 2024, além de ter sido referida em exposições no Museu de Arte do Rio e no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira. Merval Pereira, presidente da ABL, afirmou que se trata de “um dos livros mais importantes da literatura brasileira dos últimos 25 anos” e reforçou que a instituição está empenhada em aumentar a representatividade dos seus membros, incluindo escritoras negras

Natural de Ibiá, no interior de Minas Gerais, Ana Maria Gonçalves iniciou a carreira como publicitária antes de se dedicar exclusivamente à escrita, em 2002. Viveu em diferentes cidades do Brasil e passou por residências académicas nos Estados Unidos, entre as quais se destacam as universidades de Stanford, Tulane e Middlebury. Para além de Um defeito de cor, publicou Ao lado e à margem do que sentes por mim (2002), participou em antologias e tem tido presença regular em colunas de opinião, conferências e circuitos de literatura contemporânea.

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