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Mãe, empresária, autora e mulher de fé. Ayona Café é uma dessas figuras cuja história pessoal e profissional se entrelaçam ao ponto de já não se distinguir onde começa uma e termina a outra. Com uma serenidade firme, fala do luto, da infertilidade, do divórcio e das conquistas no mundo empresarial como quem olha de frente para a vida e decide transformá-la em matéria-prima para criar, partilhar e liderar. Hoje, vive entre Portugal e Angola, dois territórios onde distribui tempo, afetos e projetos, com uma convicção inabalável de que é possível conciliar o sucesso profissional com a maternidade consciente.
“Eu sou mãe. E essa é a minha prioridade”, afirma com uma tranquilidade que só os anos de experiência e dor vencida permitem. Em Portugal, dedica-se exclusivamente aos filhos enquanto estão consigo. Em Angola, mergulha no trabalho, na gestão das suas empresas e na supervisão dos seus investimentos, mas não sem consequências. “Os meus filhos sentem a diferença. Quando estou lá, estou sempre fora. Quando estou cá, sou só deles.” Essa presença alternada não é fruto de acaso, mas de uma estratégia pensada e de uma estrutura bem montada. Ayona acredita profundamente no capital humano que a rodeia. “Cada empresa tem uma pirâmide, e a gente segue a pirâmide. É preciso confiar nas pessoas, delegar.” Essa visão descentralizada da liderança é um dos pilares da sua capacidade de gerir várias empresas ao mesmo tempo sem abdicar da presença familiar.
A escrita surgiu como resposta à dor. Escrever tornou-se um modo de sobreviver, de reorganizar emoções e partilhar experiências que, muitas vezes, permanecem silenciadas. “Para mim, escrever foi terapêutico. O 'Diário no Feminino' nasceu dessa vontade de não guardar mais para mim.” Nesse livro, Ayona relata a luta para engravidar, os processos de inseminação falhados, as perdas gestacionais e o caminho até ao nascimento dos seus filhos gémeos. Foram três tentativas de inseminação, vários reinícios do processo, duas perdas que a deixaram emocionalmente abalada e um silêncio social que a feria ainda mais: “É uma dor que tu não partilhas com ninguém.”
A obra abriu espaço para uma conversa pública sobre infertilidade e maternidade, temas ainda tabu em muitas sociedades, sobretudo entre mulheres negras. “Eu percebi que muitas mulheres passam por isso. E depois lá está, a sociedade aponta o dedo às mulheres, e nem sempre o problema é da mulher.” No seu caso, o diagnóstico estava nela, mas isso não a impediu de acolher com compaixão a dor de outras. “As pessoas pensam que estão sozinhas, mas não estão.” A abertura com que partilha essas vivências não é apenas um ato de coragem, mas também uma escolha consciente de libertação. “Ajuda-me a seguir em frente. Não gosto de acumular problemas”, afirma peremptoriamente.
Apesar de ter vivido este processo durante um casamento que não vingou, Ayona lembra com orgulho que os seus filhos passaram por uma separação tranquila, sem descuidar da importância do assunto. “Eu podia estar a brigar com o pai deles, mas os meus filhos nunca se aperceberam. Sempre fiz questão de proteger esse espaço.” Falar com naturalidade sobre infertilidade e perdas gestacionais é, para ela, uma forma de fechar feridas e seguir com a cabeça erguida. “Os meus filhos precisam de saber que não vieram ao mundo por acaso. Eles foram muito desejados, muito esperados, e a mãe lutou para tê-los.”
“Fiquei hipertensa, quase perdi a vida. Desde aí, não abdico da minha paz”
Ayona Café
A sua relação com a mãe, figura central em toda a sua construção pessoal, atravessa a sua narrativa com uma força quase mística. Líder anticolonial, economista, deputada, empreendedora e mãe adoptiva de duas filhas, Maria Mambo Café foi um exemplo de força e entrega. “Ela era economista, deputada, empresária e ainda assim, estava sempre disponível para nós.” Quando Ayona perdeu a mãe, em 2013, sentiu o chão a desaparecer. “Fiquei hipertensa, quase perdi a vida. Desde aí, não abdico da minha paz.” Essa experiência marcou o início de uma nova forma de estar: recusar cargos que roubem a serenidade, priorizar o bem-estar mental e espiritual, e escolher apenas os projectos que não lhe tirem tempo de ser mãe.
Mas engane-se quem pense que essa postura representa um abrandamento da sua ambição. Ayona lidera a Ayona’s Transportes, a DevTest - Desenvolvimento e Testes de Software e Consultoria –, é acionista noutras três sociedades anónimas em Angola, e fundou a Associação Social Maria Mambo Café, com foco na educação e no desporto em comunidades carenciadas. Toda essa estrutura empresarial foi construída com base numa visão criativa e numa enorme capacidade de adaptação. “A criatividade ajuda-me a gerir o tempo, a encontrar soluções rapidamente e a ensinar os meus filhos a fazerem o mesmo.”
Foi dessa criatividade prática que nasceu a ideia da Ayona’s Transportes. Sem carro próprio e sem grande vontade de conduzir, Ayona pensou: “se calhar há mais pessoas como eu”. E num contexto em que o sistema de transportes públicos em Angola deixa a desejar, viu ali uma oportunidade de negócio que também resolvesse uma questão social. Começou com uma viatura. Dois meses depois já tinha três. Hoje, soma sete viaturas em nome da empresa, além de outras a operar em regime de terceirização, e continua a crescer. O início foi modesto: cerca de 8 mil euros para compra de veículo e uniformes. Só mais tarde, com o crescimento sustentado, foi inaugurado um escritório próprio. “Nos primeiros anos, partilhávamos espaço com a DevTest.”
Ayona Dádiva Café | Fotografia ©BANTUMEN
“Se eu não contar as minhas histórias, as pessoas vão achar que foi tudo herdado”
Ayona Café
Esta segunda empresa, especializada em testes de software, nasceu quase em simultâneo com a transportadora. A ideia surgiu a partir de conversas com estudantes universitários angolanos que identificaram uma falha no mercado: poucas empresas nacionais ofereciam serviços de qualidade na área de testes e desenvolvimento de software. Ayona agarrou o desafio, promoveu estudos de mercado, liderou formações internas e criou uma estrutura que hoje compete com empresas estrangeiras. O investimento inicial rondou os 50 mil euros, mas rapidamente percebeu que era insuficiente para atingir o nível de qualidade desejado. O reforço de capital chegou aos 100 milhões de kwanzas. “Queríamos estar equiparados às grandes empresas. Tínhamos que apostar na formação dos nossos técnicos, todos recém-formados.” Hoje, a DevTest tem uma academia própria, oferece consultoria especializada e prepara-se para liderar a transformação digital em vários sectores angolanos.
Apesar de gerir empresas de grande exigência, Ayona continua a escrever. É autora de cinco obras literárias, incluindo livros infantis e romances autobiográficos. A escrita, segundo ela, é um lugar de liberdade. Um espaço onde pode ser vulnerável sem precisar de pedir desculpa por isso. O livro “Mesa para Um. As 4 fases de uma separação” é um exemplo claro dessa entrega emocional com propósito terapêutico. “Se eu não contar as minhas histórias, as pessoas vão achar que foi tudo herdado. Quero ser reconhecida pelo que eu criei.”
Essa necessidade de provar valor pelo mérito é também reflexo da forma como foi educada. “A minha mãe dizia: ‘eu não sou banco’. Para os sobrinhos havia tudo. Para nós, filhas, era dureza.” Mas não há amargura nas suas palavras. Há, isso sim, gratidão. “Se as coisas nos são dadas de bandeja, perdemos rápido.” Essa rigidez tornou-a mais resiliente. "Sei que houve pessoas que esperavam que tanto eu como a minha irmã perdessemos tudo. Mas passaram-se mais de 13 anos, e cá estamos."
No fundo, a história de Ayona é uma celebração da resistência, da criação consciente e da capacidade de transformar dor em acção. Adoptada à nascença, mãe de três filhos e empreendedora de impacto, ela dá graças à vida duas vezes: pela que recebeu e pela que gerou. Nada parece movê-la mais do que a vontade de deixar um legado com propósito, feito de escolhas conscientes. “Se o cargo me tira a paz ou o tempo com os meus filhos, não aceito. Aprendi a escolher. A vida já é dura demais.” E talvez seja essa a maior força de Ayona Dádiva Café, não é apenas o que criou, é o que escolheu preservar.
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