Batchart, as nomeações aos CVMA, saúde mental e o EP que vem aí

25 de Maio de 2025

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Em 2020, Batchart foi um dos homenageados da PowerList BANTUMEN 100, uma distinção que celebra personalidades pelo seu impacto na sociedade. Na altura, o rapper cabo-verdiano viu o seu nome reconhecido por um percurso artístico pautado pela autenticidade, compromisso social e criatividade. E porque as distinções não são uma meta, apenas um percurso, quatro anos depois, o artista diz-nos que iniciativas como esta “fazem-te acreditar que o que fazes é válido e está a ser visto”.


Agora, em 2025, Batchart volta a estar sob os holofotes com as nomeações para os Cabo Verde Music Awards (CVMA), cuja gala acontece a 7 de junho. O rapper está nomeado em duas categorias: Hip Hop do Ano e Videoclipe do Ano - prémios que já arrecadou em edições anteriores, mas para os quais confessa manter a vontade de vencer novamente. "Não vou esconder a vontade de renovar os títulos", afirmou com entusiasmo.


Mais do que troféus, os CVMA representam para Batchart uma forma de legitimar o trabalho árduo e persistente dos artistas independentes. Num universo musical onde os recursos são escassos e os obstáculos diários, o reconhecimento público e profissional ganha ainda mais significado. "É importante para prestigiar o artista cabo-verdiano", diz, lembrando que estar nomeado já é, por si só, uma conquista.


Num país onde o mercado musical ainda não permite uma estrutura profissional consolidada, Batchart defende que o artista cabo-verdiano é forçado a ser uma "one man band": cria, produz, divulga e tenta rentabilizar a sua própria arte. É esse o dilema que vive diariamente: se não o fizer por si, quem o fará? Para ele, o futuro passa pela profissionalização do setor e pela criação de equipas que libertem o artista para focar-se naquilo que faz de melhor: criar. "Quando profissionais de outras partes vêm com uma equipa que pensa em cada detalhe do artista, e ele pode focar-se só na parte criativa, percebes o quanto ainda estamos longe disso em Cabo Verde. Eu vivo para ver esse momento", afirma.

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“Viver da arte pressupõe que faças qualquer outra coisa para te poderes dar a esse luxo de viver dela”

Batchart

batchart entrevista

📸 Batchart fotografado por Eddie Pipocas | BANTUMEN

Desde 2021, Batchart tem apostado forte no audiovisual como extensão da sua arte. Para além da melodia e da letra, o videoclipe surge como uma dimensão visual indispensável, uma forma de comunicar com o público para além da música. Esta visão integradora reflete uma maturidade artística que vai além do estágio de criação empírica, abraçando um conceito mais global. Essa aposta é também uma estratégia consciente de elevar o nível de produção artística no país, mesmo que as condições locais ainda não favoreçam grandes investimentos. Batchart acredita no potencial criativo local e dá como exemplo beatmakers cabo-verdianos que produzem faixas com qualidade para chegar aos maiores tops internacionais.


Mas ser artista em Cabo Verde é também lidar com a frustração de um mercado pequeno, com pouca capacidade de absorver e rentabilizar o talento. Batchart fala disso com uma lucidez rara: “Viver da arte pressupõe que faças qualquer outra coisa para te poderes dar a esse luxo de viver dela”. A ironia aparece quando, questionado sobre o que faz além de cantar, responde: “Ensaiar”.


Apesar dos desafios, o artista acredita no poder da arte para transformar vidas. O segredo? Encontrar formas sustentáveis de viver dela. E é aqui que entra a colaboração, a reinvenção e o olhar crítico sobre a própria indústria. E nessa lógica de reconstrução, 2025 está a ser um ano dedicado a parcerias musicais. Com a cantora Maya Neves, por exemplo, está a preparar um EP que será lançado em junho, antes do verão. Um projeto curto, coeso, que aposta na fusão de estilos e na experimentação.


Além disso, Batchart assume 2025 como o ano de reaprender, de reaproximar-se de amigos e colegas artistas com quem partilha afinidades criativas. "Tirei este ano para fazer músicas com pessoas amigas, artistas que admiro."


Mas não são apenas os projetos sonoros que movem Batchart. Formado em Psicologia pela Universidade Jean Piaget, ele usa os saberes académicos como fonte de inspiração para compor. O hip hop, com o seu DNA crítico e social, torna-se um canal para abordar temas de saúde mental, como a depressão e a superação, de forma criativa. "A música é sobretudo isso, é identificar com a melodia, com a letra, com a história que está ali”, sublinha.


Ser psicólogo e artista obriga-o a uma higiene mental constante. Fala disso com propriedade e um toque de humor. A terapia, diz, é essencial, assim como estar consciente do que o “suja” e do que o “limpa” emocionalmente. Mas alerta: a sensibilidade do artista pode ser uma bênção e uma maldição. A capacidade de absorver a dor do outro e transformá-la em arte é um dom que exige cuidado. "A alma de um artista é sensível e acaba por também incorporar e beber da dor de outras pessoas. Criar com a dor de outros é quase um pecado necessário, e por vezes somos mal interpretados como se tudo o que cantamos fosse autobiográfico, mas não é. Somos criadores", afirma.


Esse olhar sensível sobre o mundo, aliado a uma mente analítica, também o leva a refletir sobre os temas que marcam o presente e moldam o futuro da arte e da sociedade. É nessa linha que surge o seu posicionamento sobre inteligência artificial, um assunto incontornável na atualidade, especialmente para quem vive da criação. "A alma de um artista é sensível e acaba por também incorporar e beber da dor de outras pessoas."


Falando do presente e futuro da cultura hip hop, o artista acredita que o rap crioulo tem tanto valor como qualquer outro da lusofonia. O problema? A dimensão reduzida do mercado e a falta de canais internacionais fortes. Sonha com o dia em que o hip hop cabo-verdiano seguirá os passos da kizomba: cantado em crioulo, mas consumido em todo o mundo lusófono. E esse sonho não é um delírio. "O hip hop não é o que era, nem vai voltar a ser. Mas vai continuar a adaptar-se", afirma. E é essa adaptação que guia a sua carreira. Entre os nomes que admira estão Helio Batalha, Mark Delman, Loreta, entre muitos outros. Questionado sobre as possíveis diferenças entre o rap crioulo feito no país e fora dele, o artista diz não haver grandes diferenças. "Atualmente há muito mais semelhança. Artistas que viviam aqui agora vivem em Portugal e vice-versa. Há participações, há concertos, há uma uniformização natural a acontecer." Para ele, os problemas e as estéticas são os mesmos. O que muda é o investimento. Ao falar da diáspora, Batchart sublinha que levou tempo para se perceber que o que se fazia fora de Cabo Verde era muito semelhante ao que se fazia nas ilhas. "Agora há uma uniformização. Artistas de cá vivem lá e vice-versa, fazem concertos nos dois lados e há colaborações constantes."


Em 2025, Batchart continua em movimento. Além do EP, Batchart tem atuações marcadas em Luxemburgo e Lisboa, e prepara o lançamento de um novo álbum para 2026. Cada passo é uma tentativa de reinvenção, de manter-se relevante, de surpreender. E tudo isso enquanto planeia alargar horizontes e mostrar que o crioulo pode ser universal, como a música que compõe.


No fim de contas, Batchart não é apenas um rapper. É psicólogo, é analista social, é contador de histórias. Um artista que acredita no poder da música para tocar almas e mudar realidades. E que segue, firme, com um microfone numa mão e um espelho na outra, a refletir o mundo e a si mesmo.

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