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Faltavam quase 20 minutos para o Black Pantera subir ao palco do galpão do Sesc Campinas na noite de uma terça-feira no final de abril. Assim como eu, muitas pessoas só conseguiram chegar em cima da hora por causa do caótico trânsito da cidade do interior que fica a pouco mais de uma hora de São Paulo. Mesmo com o tempo escasso Charles, Chaene e Rodrigo me receberam no camarim para uma conversa rápida antes deles esquentarem a noite fria de outono com rock pesado carregado de consciência política e, principalmente, racial.
Aliás, o trio se consolidou pela forma enfática de contestar e bater de frente com o sistema sem ter medo de represálias. Bandas assim estão quase em extinção. No Brasil, quando algum roqueiro decide protestar corre sérios riscos de ter suas apresentações canceladas por causa do reacionarismo que vem tomando conta do país com o crescimento da extrema-direita.
Isso aconteceu recentemente com o Ira!, depois que o vocalista Nasi se manifestou num show em Minas Gerais, no começo de abril, contra a anistia dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 ao Congresso Nacional - na tentativa de golpe. Mas no caso do Black Pantera, o que acontece é inverso. Ao invés das portas se fecharem, elas abrem.
"Essa galera não gosta de nós", afirma o baixista Chaene Gama. “O problema é que essas pessoas sempre ouviram Ira!, direita ou esquerda. Aí quando o cara se manifesta, eles acham ruim. O João Barone dos Paralamas (do Sucesso) também falou, e foi de uma maneira que eu fiquei: caralho! Foi bem direto. Então, essas pessoas têm uma dimensão. Só que isso já é um tipo de doença, né? O lado que essa galera está indo, conversa com o fascismo, com o nazismo e eles estão normalizando. A gente viu a polícia militar de São José do Rio Preto queimando cruz em apologia ao nazismo. Estão normalizando a barbárie… o Black Pantera sempre teve esse pulso firme. Por isso, quem odeia a gente, nos odeia mesmo e a gente não tá nem aí, não faz questão nenhuma dessa galera aí".
“Quem odeia a gente, nos odeia mesmo e a gente não tá nem aí”
Black Pantera
Diferente do que acontece, eles não se adaptam para agradar os espectadores de um lugar específico. Quem vai, sabe que ouvirá alto: "fogo nos racistas, eu disse fogo nos racistas... deixa queimar". "A gente toca nos eventos undergrounds, toca em eventos mainstream, mas não deixamos de ser quem somos. Sempre firmes, diretos, doa a quem doer, diz o baterista Rodrigo “Pancho” Augusto, que também acredita que se a mensagem que compartilham fosse outra, a quantidade de espaços que transitam seria bem maior. "Eu acho que o que o Black Pantera faz é quase que um milagre. Morar em Uberaba (Minas Gerais), que é uma cidade agropecuária, uma cidade pequenininha, conservadora pra caramba, e fazer o que a gente faz ao redor do mundo é histórico".
Essa escalada do trio formado em 2014, começou primeiro fora do país com participações em festivais internacionais (Afropunk, nos Estados Unidos, Download, na França, e MIL, em Portugal). Em 2022, quando conversei com os três pela primeira vez, eles estavam começando a ganhar visibilidade no cenário nacional e se preparavam para lançar o álbum Ascensão, aquele que definitivamente sedimentou os caminhos.
Chaene lembra que, por causa da pandemia, estavam com medo de como o disco ia repercutir. "A gente ficou mais de um ano sem trabalho. Eu tive que voltar para um emprego registrado, o Charles foi trabalhar no lava-jato (lavando carros), o Rodrigo trabalhando de aplicativo (Uber) e a gente com um puta disco". Quando Ascensão ganhou o mundo, a realidade mudou. No mesmo ano, abriram o Rock in Rio com uma performance eletrizante no Palco Sunset, fazendo homenagem a Elza Soares e recebendo a legendária banda Devotos.
Aquele foi o início de uma guinada. "Acho que o (álbum) Perpétuo (2024) solidificou ainda mais o trabalho da banda e fez com que a gente tocasse em outros grandes festivais", observa Rodrigo. Mas além da presença nos palcos, a maior conquista foi a citação que receberam na principal prova do Brasil, que pode abrir vagas e garantir bolsas em universidades públicas e privadas, o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). "É uma grande conquista", ressalta o guitarrista e vocalista Charles Gama. "A gente conseguiu dar gás para pessoas, que são consideradas minorias, mas que não são minorias. Nossas conquistas não foram somente financeiras. A gente conquistou um espaço que é eterno".
Fotografia de Marco Hermes
Ser reconhecidos e recomendados por estudantes mostra que o papel deles é bem mais do que fazer música. Também ensinam e geram consciência. Ao mesmo tempo que a cabeça bate na roda punk, ela também pensa. Isso aconteceu algumas vezes durante o show de mais de uma hora. Obviamente, os momentos de ápice foram quando tocaram "Fogo nos Racistas" e "Padrão é o Caralho".
Ambas as músicas fazem parte de “Ascensão”, que tem uma estética mais pesada que a do seu sucessor, “Perpétuo”. Este traz até referências da música brasileira e latina. Questiono se essa arrefecida foi proposital ou aconteceu de forma natural. "Tudo do coração... veio ali na hora... até quando eu comecei a escrever algumas coisas, falei: essa porra tá diferente", reflete Chaene. "Igual "Tradução". Quando ela veio, eu fiquei com receio de mostrar pros caras. Nossa... todo mundo pirou. E as músicas vieram dessa maneira, sacou?"
A virada de chave, digamos assim, aconteceu a partir de outras vivências que eles se permitiram experienciar. "Tem aquela coisa do sempre puto, mas às vezes vulnerável com as coisas. Então, aconteceu assim de maneira natural, e a gente se permitiu". Foram com a cara e a coragem para ao menos em alguns momentos sair do status quo e ampliar o ponto de vista. "Deu super certo, porque acabou ampliando e trazendo mais gente ainda que às vezes falavam: não gostava tanto, mas essa música já me pegou", diz Chaene. "Mas querendo ou não, no caso de Tradução, o discurso está lá também, na letra, na escrita".
Pegando o gancho da composição, cada um diz que tem uma maneira de escrever. Charles, por exemplo, gosta de compor com a guitarra. Depois que sai um riff, ele consegue desenrolar a letra. Já Chaene é o contrário. Porém, os temas meio que estão na ponta da caneta. É sempre alguma coisa que pode estar incomodando - ou não. Nem sempre vai ser algo pesado, porque como já ressaltaram não querem seguir padrões.
"A gente é uma mistura de tudo. O Rodrigo é do samba. O Chaene vem dessa parada do pop-pop brasileiro dos anos 80, anos 90. Eu gosto de uns mais extremos. Então, assim, essa união agrega ao Pantera", afirma Charles, que é complementado por Rodrigo: "às vezes na passagem de som, o Charles faz um riff, o Chaene puxa no baixo ali, a gente já bota os celulares pra gravar. Então, depois de 11 anos tocando juntos, compor fica até mais fácil. É muito fluido porque todo mundo respeita o espaço do outro. A gente não tem limitação quanto a: essa onda eu não faço. Tanto é que Perpétuo veio com muita coisa diferente. A gente tem conseguido passar isso para o público, tanto nos discos quanto ao vivo. Acho que por isso que o show não é só a banda, né? O show é o público também. Então é uma troca muito foda".
Fotografia de Bruno Blirix, no show SESC Campinas, abril 2024
A raiva que colocam nas letras é um reflexo do que vivem, e do que o negro e o periférico sofrem no Brasil. Querendo ou não, é difícil não ter raiva morando e, principalmente, sendo preto no país que tem a população mais negra fora do continente africano.
"Qualquer pessoa pode ouvir o Black Pantera, mas querer mudar nosso discurso não dá. Tem gente até hoje pedindo pra não falarmos de política, mas são três corpos pretos aqui. Isso aí já é foda… nesse país ainda, então seguimos. Mas sim, a gente tem muita raiva, sempre".
Toda essa carga emocional tem sido levada para os palcos dos grandes festivais brasileiros. Depois de Rock In Rio (RIR) , Afropunk e Lollapalooza, em 2025 eles tocam no The Town, uma espécie de RIR em São Paulo. É mais uma conquista individual (do grupo), que também é coletiva (da comunidade negra). Tanto é que além de fazerem parte do line-up do Palco Quebrada, eles indicaram MC Taya e Punho de Mahin para também tocarem no mesmo espaço que eles. A tomada desses lugares é cada vez mais urgente e necessária. Também reafirma que a música preta não se limita ao rap e funk. O rock nasceu preto, e o Black Pantera tem feito esse resgate.
"A gente conseguiu e trouxe uma galera junto, sacou? A gente tá muito feliz, porque o show do ano passado foi incrível, né?", diz Chaene. Para Rodrigo essa é mais uma grande oportunidade de expandir esse discurso, né? "Quando você está num evento desse, a palavra toma uma proporção gigantesca. Quem não quiser, vai ouvir. A pessoa vai ouvir outra banda, mais pop, mas acaba trombando com a gente".
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