Não era uma ameaça, era uma mãe: a morte na Caop e a falência do Estado angolano

31 de Julho de 2025
caos angola opinião
Imagem reproduzida por IA

Partilhar

Num país onde a precariedade social grita mais alto que as promessas políticas, a imagem de uma mulher abatida a tiro pela polícia enquanto corria com o filho ao lado não é só um retrato de violência: é o espelho de uma sociedade em colapso moral. O episódio ocorrido na manhã de ontem, 30 de julho, no bairro Caop, em Viana, durante a paralisação dos taxistas, não pode ser tratado como “caso isolado”. Trata-se, antes, do reflexo de uma crise profunda, onde a autoridade do Estado, ao invés de proteger, parece tornar-se arma contra os próprios cidadãos.

E desengane-se quem pensa que os protestos dos taxistas surgem do acaso. São fruto da asfixia económica imposta pela retirada dos subsídios aos combustíveis, da inflação galopante e do colapso progressivo do transporte público. Para milhares de famílias angolanas, o táxi, informal, precário, mas acessível, representa a única ponte entre a periferia e os meios de subsistência urbana. Quando essa ponte é atacada por políticas descoordenadas e fiscalizações punitivas, a reação popular torna-se inevitável.

Mas o que não é aceitável, nem humana, nem constitucionalmente, é que o Estado responda à dor social com o gatilho. A morte daquela mulher não foi apenas um erro operacional; foi a materialização de uma lógica de segurança pública que vê no pobre uma ameaça, e não um cidadão. Onde se deveria dialogar, reprime-se. Onde se deveria proteger, dispara-se. E onde se deveria assumir responsabilidade, instala-se o silêncio institucional.

A morte na Caop deve ser entendida como um grito coletivo. Grito de uma juventude desempregada, de mães exaustas, de trabalhadores que pagam caro por cada deslocação e ainda mais caro por cada minuto de indignação. A economia angolana não se resume a relatórios do FMI ou boletins do Banco Nacional. Ela acontece nos becos poeirentos de Viana, no desespero dos que enfrentam quilómetros a pé por falta de táxi, na instabilidade de um sistema que oprime os que menos têm.

Urge repensar a governação. Urge recuperar a confiança social. E, sobretudo, urge responsabilizar quem permite que a ordem pública se transforme em sentença de morte. Porque hoje foi uma mulher na Caop. Amanhã, poderá ser qualquer um de nós. E uma sociedade que normaliza a morte do inocente é uma sociedade que desistiu de si mesma.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.

bantumen.com desenvolvido por Bondhabits. Agência de marketing digital e desenvolvimento de websites e desenvolvimento de apps mobile