Carla Adão lança “Refugiados 75”, podcast que revisita as memórias da fuga de Angola em 1975

10 de Novembro de 2025
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Carla Adão ©️ Matilde Fieschi | O Tal Podcast | Expresso

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A propósito dos 50 anos da Independência de Angola, a jornalista e subdiretora da RTP África, Carla Adão, lança “Refugiados 75”, um podcast de seis episódios que recupera as histórias de quem foi forçado a abandonar o país em 1975. O projeto, de natureza pessoal e documental, estreia a 11 de novembro, data simbólica da Dipanda, e será publicado semanalmente até 16 de dezembro.

Partindo da própria história familiar, Carla Adão traça uma narrativa que se cruza com a de milhares de angolanos que fugiram da guerra. “Há muitos anos que queria contar a história da minha família, sobretudo da minha mãe, que passou por tanto e se reergueu tantas vezes”, explica a autora, que durante anos adiou o projeto por falta de tempo e por sentir que “faltavam dados para completar os fragmentos de história” que conhecia. A vontade, porém, tornou-se urgente com o avanço da demência da mãe, hoje com 92 anos. “Percebi que o tempo estava a esgotar-se e que cada dia apagava um pouco mais daquilo que ainda podia ser lembrado.”

Foi durante uma formação em podcast no Cenjor que o projeto ganhou forma: “Quando tive de apresentar um trabalho final, voltei a debater-me com esta necessidade de resgatar a história da minha família”, recorda. “Refugiados 75” nasce assim como um exercício de memória e de reflexão onde a autora quis “pensar sobre o papel da memória e do esquecimento, sobre o que lembramos, o que apagamos e o que se perde quando a idade e a doença apagam os vestígios de uma vida.”

A narrativa organiza-se em três dimensões interligadas: os fragmentos da infância da autora, as recordações das suas irmãs — sobretudo Mena, a mais velha, “com uma memória pormenorizada de tudo” — e a ausência de lembrança da mãe, que se torna também matéria de análise. “Não sei se algumas memórias da minha infância são reais, se as construí a partir do que ouvi, de fotos que vi ou se as imaginei”, admite. O jogo entre lembrança e reconstrução é o eixo sobre o qual se estrutura o podcast, transformando o testemunho pessoal num espaço de escuta sobre o trauma e o esquecimento.

O primeiro episódio, “A Chegada”, estreia a 11 de novembro e descreve o momento em que a família desembarca em Lisboa, em 1975, entre o medo e a incerteza. “De repente estás numa nova terra. O medo, a angústia, o caos de um aeroporto apinhado onde passámos 14 horas sem perspetiva de futuro”, resume Carla Adão.

Segue-se “A Pensão” (18 de novembro), que retrata o período em que a família é encaminhada pelo IARN — o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais — para uma pensão degradada na Estrada de Benfica. “Houve quem ficasse muito bem e quem acabasse em locais sem as mínimas condições; à nossa família calhou-nos uma pensão que mal se aguentava em pé.”

No episódio “A Irmã Perdida” (25 de novembro), a autora aborda a angústia da mãe que deixou Angola sem saber do paradeiro de uma das filhas. “A minha irmã Maria José, a Bébé, perdeu o contacto connosco. Casou-se e fugiu para o antigo Zaire. A minha mãe não sabia se estava viva”, conta. O reencontro, já em Portugal, é narrado como um momento de catarse familiar e de reencontro simbólico com a esperança.

Em “A Terra que Ficou para Trás” (2 de dezembro), emergem as recordações da Luanda da juventude, os sons, os cheiros e os lugares que permaneceram na memória das três irmãs adolescentes. “A minha mãe cantava fado na rádio, e lembro-me de ver no jornal: ‘Não perca esta tarde ao vivo: Cançonetista Malú’. É uma imagem que ficou para sempre.”

O quinto episódio, “Criar Raízes” (9 de dezembro), centra-se na adaptação à nova vida em Portugal. “Foi preciso reconstruir tudo, casa, trabalho, amizades, identidade. E, apesar de tudo, conseguimos criar um novo lugar de pertença.” Já o sexto e último episódio, “O Regresso” (16 de dezembro), confronta o desejo de voltar a Angola com a impossibilidade de o fazer plenamente. “Algumas das minhas irmãs voltaram. A mais velha nunca quis. Teme destruir a Angola que guarda na memória. O meu primeiro regresso foi sensorial, o cheiro de uma fruta que chegou a Lisboa em 1992 devolveu-me, por instantes, o país que ficou para trás.”

Para Carla Adão, este projeto é também uma tomada de posição sobre a forma como se conta a história do pós-independência. “Sempre me incomodou a forma como as histórias dos retornados dominaram a narrativa. Fomos todos metidos no mesmo saco, mas as nossas circunstâncias eram muito diferentes.”

“Refugiados 75” é, assim, uma tentativa de reconstruir o que o tempo quase apagou — uma história pessoal que se torna espelho de muitas outras. “Não é apenas sobre a minha família. É sobre o que se perde quando não se conta, e sobre o que permanece quando se escolhe lembrar.”

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