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Começo este texto com uma frase que é um dito popular. Introduzo-a como uma interrogação, ao mesmo tempo que se auto configura ela mesma como uma afirmação categórica: o feitiço virou-se contra o feiticeiro.
Não parece, mas falamos nada mais, nada menos, que da Casa dos Estudantes do Império. Um projeto nascido nos anos 40, em pleno regime ditatorial de Salazar. Em linhas gerais, ambicionava o império uma espécie de amplitude da sua base de apoio e uma extensão das relações públicas além fronteiras, por via da assimilação.
Do ponto de vista operacional e logístico, era um projeto viável e de aplicabilidade bastante possível: agarrar em pretos de África, recrutá-los em matéria “civilizacional”, vender o sonho do ensino superior e da literacia na capital lusitana, financiar, vigiar a posterior todas as suas atividades e desígnios internos, e no fim, amealhar o máximo quanto possível de defensores da nobreza das intenções coloniais.
No fundo, era esta mais uma daquelas interações humanistas, que postulavam o colonialismo português como uma grande e rara exceção no meio das atrocidades levadas a cabo pelos seus vizinhos e compatriotas.
Portanto, estava preparado o feitiço e bastava tomá-lo para a consumação das aspirações, deste que seria o marco iniciador de uma revitalização e perfeita manutenção do sistema e máquina imperialista.
Porém, como é natural e de certo ponto de vista, expectável, o regime subvalorizou esses “meninos da casa”. O ninho de expectativas, em boa verdade, transformou-se em berço de mudança.
Este berço transformou por completo o rumo de países como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, e viu nascer nomes incontornáveis da política africana como Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e Amílcar Cabral.
Ao contrário do que se poderia conceber, foi uma importante congregação de jovens artistas e intelectuais, que moldaram a desenvoltura anti-colonialista na altura.
Nomes como o de Alda Espírito Santo de São Tomé, Noémia de Sousa de Moçambique, Mário Pinto de Andrade em Angola e e o geógrafo também santomense Francisco José Tenreiro, são alguns dos exemplos do forte mosaico cultural que deu início a luta.
Luta esta, que foi travada sem armas, e sim com colóquios e com debates sobre literatura, música e arte no geral, que culminou num “tiro no próprio pé” para a ideia de civilização arquitetada pelo regime.
A CEI, na verdade, tornou-se num espaço de troca de ideias revolucionárias, pois havia ali um senso de unidade, que permitia a partilha de códigos comuns, e onde os jovens descobriram verdadeiramente o poder de suas vozes.
Quando finalmente chegou a tão aguardada revolução anti-colonial, em banho de ironia se pôde concluir, que a semente da revolução e da liberdade, foi financiada pelo próprio Estado Novo, num golpe de “se arranjar sarna para se coçar”. Ou seja, um verdadeiro exemplo do feitiço que se vira contra o seu próprio feiticeiro.
Para exercício próprio e dos leitores que se hão de deparar com esta pequena reflexão, a frase soa como uma questão ou uma afirmação?
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