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Christian Rôças, conhecido como Crocas, consolidou ao longo de mais de duas décadas um lugar na intersecção entre comunicação, cultura digital e economia dos criadores. Trabalhou nas equipas da Meta para a América Latina, participou na construção de estratégias globais em torno de eventos como os Jogos Olímpicos e o Mundial, liderou a expansão da Porta dos Fundos enquanto CEO e viria depois a fundar a Flint, onde articula educação, comunidade e visão estratégica sobre o futuro do conteúdo. Com este trajecto como base, chegou a Lisboa para orientar o workshop “Skill Up Content Creator”, a 12 de novembro, integrado no Mês da Identidade Africana. A partir dessa sessão, abriu-se espaço para uma conversa sobre o estado atual da comunicação, a responsabilidade de ocupar o digital com rigor e o lugar da lusofonia num tempo em que a narrativa se tornou território de disputa.
Christian, o que significou para ti participar no MIA e trazer este workshop para Portugal?
Foi um prazer. Eu sou fã do trabalho de vocês, da Vanessa, de toda a equipa. Estar no MIA foi especial porque permite discutir a importância de entender que o digital tem uma linguagem nova. Como jornalistas, tendemos a levar vícios do jornal impresso, da rádio, da TV para as redes sociais e isso não funciona. O digital pede outra forma de contar histórias. Hoje chamam esse profissional de influencer, mas a pergunta é “como é que o jornalista, habituado a informar, incorpora a linguagem das redes?
Fala-nos sobre a tua sessão no MIA.
Uma discussão sobre caminhos e decisões que precisamos de tomar ao comunicar nas redes - como se faz gancho, como se define marca pessoal, como se constrói tom de voz e como se adapta o jornalismo a um meio novo sem perder rigor. O jornalismo sempre se adaptou às linguagens dos meios. No digital não pode ser diferente.
Por que é tão importante discutir hoje a forma como nos comunicamos no digital?
Porque é ali que todo mundo se informa. Se nós, jornalistas e comunicadores, não ocupamos esse espaço, ele é ocupado por extrema-direita, fake news e desinformação. E isso é grave. Precisamos estar presentes para garantir qualidade e perceber que a linguagem não é a mesma. O digital exige ética, responsabilidade e técnica.
“O jornalismo sempre se adaptou às linguagens dos meios. No digital não pode ser diferente”
Christian Rôças
Achas que existe uma linguagem lusófona no digital ou ainda estamos a construí-la?
Estamos a construir e ainda falta muito. Há pouca atenção dada a isso. Há um vício de tratar as redes como “complemento”, quando são meio principal. Como comunidade lusófona, temos vantagens somos comunicadores natos, trocamos muito, somos menos conservadores do que outras comunidades. Mas ainda há vergonha, insegurança, medo da voz, da imagem, de não ser perfeito. Isso bloqueia muita gente de se comunicar.
Como é que evoluiu a tua forma de comunicar desde o início da tua carreira?
Muito, e ainda bem. A minha carreira não é linear e isso permite-me ver de muitos ângulos. Aprendi que o conflito não precisa virar briga mas, “precisa de preparo emocional, repertório e técnica”. Rádio, TV, documentário, jornal tudo exige linguagens específicas. E o digital exige outra. O humor também me influenciou muito.
O que mais te marcou como CEO do Porta dos Fundos?
O contacto com o humor. O timing, o tom, a relação com a comunidade. Aprendi o cuidado com marca, persona, temas. Esse cuidado garante qualidade em todas as janelas no Brasil, no México, na Polónia. Deu muito certo porque o cuidado era diário.
O que aprendeste sobre gerir a criatividade e transformar o humor em ferramenta de comunicação?
Que se criamos para agradar, falhamos. O público quer autenticidade, não previsibilidade. Surpresa vem do autoral, não do cálculo. A armadilha é tentar adivinhar o que o outro quer, isso mata a criatividade.
“Comunicação boa exige autenticidade, frequência, clareza, qualidade e cuidado”
Christian Rôças
Isso preparou-te para criar a Flint?
Foi uma soma. Tudo o que vivi me preparou. A Flint ajuda profissionais a se comunicarem no digital sem precisarem de virar creators. Médicos, executivos, jornalistas, consultoras de beleza todos precisam de presença digital. A rede hoje é tão importante quanto um artigo, um programa na TV ou uma entrevista na rádio.
Como se constrói uma comunidade e não só audiência?
Com consistência e diálogo. O digital não é monólogo. E a comunidade não vive só online, também existe no presencial. Hoje dirigimos programas híbridos encontros digitais e presenciais. A vida é assim, híbrida.
Qual é o segredo?
Conquistar atenção é fácil. O difícil é o que fazes com ela. Há quem ganhe viral e não tenha nada a dizer. Comunicação boa exige autenticidade, frequência, clareza, qualidade e cuidado. E exige escuta.
O que é que as marcas ainda não perceberam?
Que não é sobre elas. Ninguém entra no Instagram para comprar. Entramos para sentir algo. Se de alguma maneira eu vejo algo que me emociona, me informar ou me entretem, eu me lembro de você na hora de comprar. As marcas querem ir direto ao bolso mas isso acabou. A pergunta é “se a tua marca desaparecer das redes, alguém sente falta? Se a resposta é não, estás a fazer mal.”
Como vês a influência do digital no modo como pensamos e nos relacionamos?
Está em tudo. Mas nada em excesso é bom. Nem TV, nem livro, nem rádio, nem rede social. Precisamos discutir saúde mental, equilíbrio, consciência. Vamos aprendendo com o tempo.
“A armadilha é tentar adivinhar o que o outro quer, isso mata a criatividade"
Christian Rôças
O digital democratizou a comunicação, mas também a confundiu?
Sim e ainda bem. Democratizou porque agora há vozes que antes eram silenciadas. Confundiu porque questiona narrativas históricas, sobretudo coloniais. É natural que haja conflito, quando a narrativa deixa de ser eurocêntrica, há resistência. Mas a confusão às vezes é necessária.
O excesso de performance tem matado a criatividade?
Para alguns, sim. Estão a tentar virar robôs. Eu quero o contrário que a tecnologia trabalhe para nós.
O digital democratizou a voz, abriu espaço a quem antes era invisível e trouxe para o centro debates que estavam fora da narrativa dominante. Ao mesmo tempo, ampliou tensões, acelerou inseguranças e criou uma cultura de performance que, como o próprio Crocas sublinha, pode corroer a criatividade quando substitui intenção por cálculo. A conversa termina com a ideia que atravessa todo o seu percurso: a de que a tecnologia só faz sentido quando está ao serviço das pessoas. E comunicar, hoje, exige escuta, consciência e uma presença que não se limite a ocupar espaço, mas que contribua para um ecossistema mais responsável, mais plural e mais atento ao impacto das histórias que escolhemos contar.
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