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A atriz cabo-verdiana Cleo Diára foi distinguida com o prémio de Melhor Atriz na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes, pela sua performance no filme O Riso e a Faca, de Pedro Pinho. A distinção representa um marco para o cinema português e para a representação de mulheres negras no grande ecrã internacional.
Radicada em Lisboa desde os 10 anos, Cleo é formada pela Escola Superior de Teatro e Cinema e tem colaborado com diversas estruturas artísticas, como a Aurora Negra e A Missão da Missão. No cinema, participou em obras como Diamantino, de Gabriel Abrantes, Verão Danado, de Pedro Cabeleira, e Nha Mila, de Denise Fernandes.
No entanto, é com O Riso e a Faca, uma coprodução entre Portugal, Brasil, França e Roménia, que Cleo alcança o reconhecimento internacional. O filme acompanha a história de Sérgio, um engenheiro ambiental que, ao integrar uma ONG num país africano, enfrenta tensões entre progresso e identidade. Além de Cleo, o elenco conta com Sérgio Coragem e Jonathan Guilherme.
Em declarações exclusivas à BANTUMEN, a atriz, ainda a digerir o impacto da vitória, confessou não ter palavras para descrever a dimensão da conquista. Disse sentir que tudo ainda está demasiado próximo, demasiado intenso, para ser completamente compreendido. Assume, no entanto, a certeza que fica no meio de todo o turbilhão: o prémio é coletivo.
Cleo Diára
Jonathan Guilherme, Cleo Diára, fotografados por Laurent Koffel
Num exercício onde evocou o esforço da sua mãe, mulher solteira, que sempre a encorajou a enfrentar o mundo com coragem, lembrou também o legado das suas ancestrais, mulheres cujos sonhos muitas vezes ficaram por cumprir, mas que se mantiveram vivos na memória e se transmitiram pelas gerações seguintes. “Sou caminho feito antes pelas minhas ancestrais”, afirmou, acrescentando que “essa conquista vem das bisavós, das avós, que provavelmente não puderam cumprir todos os seus sonhos, mas que continuavam a sonhar em segredo.”
A atriz acredita que esta vitória pode abrir portas, não só para si, mas também para outros artistas negros em Portugal e reforça o desejo que crianças negras se sintam legitimadas nos seus sonhos, que saibam que podem ser o que quiserem, mesmo que esses desejos pareçam, à partida, inalcançáveis. “Durante muitos anos desejei ser atriz secretamente e achei que era impossível para mim. E o impossível aconteceu.”
Sobre a parceria com Pedro Pinho, descreve-a como transformadora. Após trabalharem juntos numa curta-metragem, ficou com a certeza de que queria, mais cedo ou mais tarde, voltar a colaborar com ele. Considera-o um dos realizadores mais inspiradores com quem já se cruzou e valoriza a escuta e sensibilidade que encontrou no set. “Ganhei pessoas para a minha vida toda. Ganhei amigos nessa equipa. Foi tão lindo o nosso encontro em Cannes", conta, num elogio que estende ao valor artístico do filme.
Para Cleo, O Riso e a Faca é um projeto sensível, forte e tocante. E é a esse conjunto de afetos e trabalho coletivo que dedica o prémio à sua mãe, à irmã, aos sobrinhos, aos colegas de elenco e, sobretudo, às crianças. As que ainda sonham livremente e as que, tantas vezes, são travadas pelo medo ou pelas limitações impostas pelos adultos. “Precisamos das crianças. Precisamos que elas venham com coragem, com bravura, com os seus medos. Que o medo não nos pare.”
Num momento de transição política em Portugal, a atriz deixou ainda um apelo em defesa da liberdade artística e alertou para o risco de o cinema se tornar refém de lógicas comerciais, perdendo espaço para a experimentação e a autoria. “É preciso que a gente lute para que não percamos o poder da nossa voz, o poder de sermos nós mesmos, de sermos únicos.”
De Cannes a atriz traz, além do prémio, um manifesto de ancestralidade, pertença e possibilidade, resumidos numa frase: "a utopia é o último estágio antes da possibilidade do real, do agora".
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