“Complô”, filme que retrata a vida do rapper Ghoya, distinguido com menção honrosa no Doclisboa 2025

O documentário Complô, realizado por João Miller Guerra, foi distinguido com uma menção honrosa na Competição Portuguesa da 23.ª edição do Doclisboa, que terminou este domingo, 26, na Culturgest, em Lisboa. A cerimónia de entrega de prémios foi seguida da exibição de A Árvore do Conhecimento, de Eugène Green, filme que encerrou o festival.

A distinção reconhece o olhar íntimo e politicamente incisivo do realizador sobre a vida de Ghoya, rapper e ativista luso-cabo-verdiano que vive entre versos, fronteiras invisíveis e um sentimento de pertença constantemente negado. A produção, que teve estreia nacional no festival, mergulha nas tensões entre identidade, burocracia e desigualdade, retratando um país que ainda se debate com a ideia de inclusão e cidadania plena.

Em Complô, Miller Guerra acompanha o artista nas suas rotinas diárias, gravações e momentos de introspeção, expondo com delicadeza as contradições de uma sociedade que continua a marginalizar parte dos seus próprios filhos. A câmara observa Ghoya enquanto pai, criador e homem em confronto com um sistema que o reconhece como cidadão de segunda linha, um retrato simultaneamente pessoal e político.

Segundo o júri da Competição Portuguesa, o prémio principal foi entregue a Água Mãe, de Hiroatsu Suzuki e Rossana Torres, enquanto As Estações, de Maureen Fazendeiro, recebeu o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores. Já o filme de João Miller Guerra foi destacado pela sua relevância social e pela profundidade humana com que traduz as complexidades da pertença e da resistência.

Para além disso, Se Eu Não Morresse Nunca!, de David Falcão, foi distinguido com o Prémio Pedro Fortes para Melhor Realização Portuguesa, e Under the Flags, the Sun, de Juanjo Pereira, venceu o Prémio Revelação – Doclisboa para Melhor Primeira Longa-Metragem. Aurora, de João Vieira Torres, arrecadou o Prémio do Público Legal Partners Direitos e Liberdades, e Soco a Soco, de Diogo Varela Silva, venceu o Prémio Canais TVCine.

A BANTUMEN acompanhou de perto a estreia nacional de Complô, exibido no Cinema São Jorge, em Lisboa. Na altura, Ghoya explicou que o filme ultrapassa o âmbito pessoal e se transforma num manifesto sobre exclusão e dignidade. “Este documentário é mais do que um retrato sobre mim. É sobre todos os que nasceram aqui, cresceram aqui, contribuíram para este país e, ainda assim, continuam a ser tratados como se não pertencessem. O ‘Complô’ mostra uma parte da minha vida, mas também expõe um sistema que prefere ignorar realidades que não cabem nas suas estatísticas”, afirmou.

O realizador João Miller Guerra reforçou essa leitura ao sublinhar que o projeto nasceu de uma ligação profunda com o artista e com a comunidade que o rodeia. “Nunca quis ser apenas um observador externo. Este filme resulta de uma relação de confiança e de colaboração. O Bruno [Ghoya] representa uma geração que vive no limbo entre a pertença e a exclusão, e era essencial filmar isso com verdade”, explicou.

Produzido pela Uma Pedra no Sapato e distribuído pela Magenta, o documentário é um testemunho coletivo sobre as feridas da cidadania e a persistência da arte como forma de sobrevivência. “Ser artista, no meu caso, não é entretenimento; é sobrevivência”, resumiu Ghoya, sublinhando o impacto social do projeto.

Após a estreia no Festival Internacional de Cinema de Marselha (FIDMarseille) e a passagem pelo Doclisboa, Complô seguirá agora para o circuito internacional de festivais antes da estreia comercial nas salas portuguesas, prevista para o final de novembro.