Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja
Pesquisa
Partilhar
X
Carlos Afonso, conhecido artisticamente como Helviofox, é considerado uma das promessas emergentes da música eletrónica em Lisboa. Natural da Quinta do Mocho, em Loures, e filho de pais angolanos, integra o coletivo TLS e está enraizado no movimento da batida lisboeta, um género que nasceu nos subúrbios da capital e que mistura ritmos africanos como kuduro, kizomba e tarraxinha com as sonoridades do house e techno, formando uma identidade sonora única e periférica.
Desde a infância, a presença deste universo musical esteve presente na sua vida, tanto pelo contexto familiar como pela influência direta dos irmãos mais velhos, Dadifox e Erycox, e outros DJs da zona, Edy Fox, Studio Bros, DJ Firmeza, entre outros, que o motivaram a explorar a produção musical desde muito cedo. Apesar da juventude, aos 19 anos, tem vindo a firmar-se consistentemente na cena underground, imprimindo a sua personalidade e emoção em cada faixa que produz.
Em setembro de 2024 lançou o seu primeiro EP, “Cala Boca”, um trabalho intimista que espelhou desafios pessoais e demonstrou uma versatilidade que rapidamente o distinguiu no universo da batida. Agora, menos de um ano depois, apresenta o EP “Está Aconteceré”, cuja proposta celebra a evolução do seu som e fortalece a ligação com o público nas pistas de dança.
Disponível nas plataformas digitais, o novo projeto reúne sete faixas originais, que revelam uma identidade sonora coesa, mas também aberta a inovações. Durante cerca de três meses, conjugou sons previamente guardados com composições feitas especificamente para este EP. “Alguns sons já tinha feito antes, outros fiz do zero. Acabei mesmo de finalizar um som anteontem”, revelou em entrevista à BANTUMEN, ilustrando o carácter espontâneo e artesanal do seu processo criativo. A velocidade da produção não comprometeu a qualidade; pelo contrário, a maturidade técnica é evidente sobretudo na masterização e nos arranjos.
Fotografias de @clickartpt
Ainda que fiel às bases da batida, o produtor aventurou-se por diferentes combinações estilísticas. “A maioria dos sons tem aquela base de gueto, mas fui experimentando ao longo do tempo algumas misturas de estilos para encaixar nessa vibe.” O resultado é um conjunto que oscila entre a energia crua da batida lisboeta e influências variadas: linhas de baixo profundas, destinadas ao dancefloor, melodias eletrónicas com inspiração retro e até passagens que incorporam nuances de R&B nas harmonias.
A abertura do EP, “Amigos e Trabalho”, destaca-se pela intro instrumental onde vozes de amigos próximos criam uma atmosfera íntima, quase na forma de um skit, conferindo um carácter pessoal e narrativo ao trabalho. Em “Buena Fiesta”, a voz da cantora Mónica, colaboradora habitual do coletivo TLS, surge num refrão com uma estética que remete para jingles nostálgicos dos anos 1970, conferindo uma textura inesperadamente vintage à batida acelerada e festiva.
Apesar destas incursões por novos territórios sonoros, a essência permanece intacta: a combinação de ritmos africanos e elementos contemporâneos que convidam ao movimento. Revela que, apesar de não se limitar a ouvir batida, preferindo também géneros como o R&B, é neste género que encontra o espaço ideal para a sua expressão. “Primeiro cozinho aqui em casa para depois servir a refeição na discoteca e ver se o público gosta ou não”, confessou, numa metáfora que ilustra o cuidado com que testa as suas produções em primeira mão durante os seus sets ao vivo, garantindo que cada faixa chega com o “selo de aprovação da rua”.
Uma das diferenças mais notórias em relação ao projeto anterior reside no número de colaborações. Se “Cala Boca” contava com uma única participação especial, do colega Diiony G, do TLS, este EP acolhe quatro faixas com vozes ou co-produções de outros artistas próximos.
“Buena Fiesta” é um tema festivo onde Mónica empresta a sua voz, criando um refrão cativante que evoca a rádio dos anos 70, sobre uma base rítmica acelerada e contagiante. “Ali Tem Ciente” resulta da parceria com DJ Sallah, produtor que se junta a Helviofox para criar uma batida explosiva, rica em percussões tribais e elementos de kuduro, uma faixa que promete incendiar qualquer pista de dança. Esta música foi inclusive lançada antecipadamente como single, oferecendo um vislumbre da energia que percorre o EP. “TxekeV2” é a continuação do tema “Txeke” do EP anterior, agora numa colaboração familiar que junta Diionyg, colega de coletivo, e V3, nome artístico da irmã. O encontro conjuga versos descontraídos, vocais melódicos e uma produção marcada por sintetizadores hipnóticos e batidas sincopadas.
As restantes faixas, “Me Toca”, “Miss You” e “Without Her Touch”, são assinadas exclusivamente por Carlos Afonso e exploram distintas atmosferas dentro do universo da batida: desde a melancolia e o romantismo etéreo de “Without Her Touch” até à tropicalidade dançante de “Me Toca”, que flerta com ritmos latinos.
O conjunto resulta num retrato multifacetado do artista, onde as colaborações acrescentam diversidade e as produções solistas reforçam a sua assinatura sonora, marcada pela combinação de batidas polirrítmicas, baixos envolventes e melodias que oscilam entre o sombrio e o emotivo.
O lançamento foi assinalado com uma Release Party no Musicbox, casa onde atua regularmente e que se tornou referência das noites dedicadas aos sons periféricos em Lisboa. Este espaço, situado no Cais do Sodré, recebe um público heterogéneo, desde os amantes locais da batida, os “do bairro”, como os próprios chamam, até turistas estrangeiros curiosos pela nova sonoridade. “A ginga é bem diferente. Dá para perceber quem é turista e quem é da casa”, revelou, com um sorriso, reforçando a riqueza cultural e a diversidade que caracterizam as suas atuações ao vivo.
Desde o início da sua carreira, o percurso tem sido trilhado de forma independente. Após lançamentos com editoras locais, optou por gerir de forma autónoma a distribuição e promoção deste novo EP, ao lado da sua equipa do TLS. “É bom para o meu crescimento. Preciso aprender a fazer as coisas sozinho”, justificou, destacando o controlo criativo e logístico que esta postura lhe proporciona. “Já não fico naquela de ‘não posso lançar porque a pessoa X está ocupada’… Agora, se eu quiser, lanço”, afirmou com segurança.
Aos 19 anos, apresenta planos ambiciosos, entre os quais destaca o desejo de atuar numa edição nacional do Boiler Room, plataforma internacionalmente reconhecida na música eletrónica de vanguarda. “Estou a trabalhar para isso”, confidenciou, deixando no ar a possibilidade de levar a batida lisboeta para palcos globais.
Neste contexto, o EP “Está Aconteceré” confirma-se como um marco importante na carreira do produtor e um exemplo da vitalidade da nova batida portuguesa. Nas palavras do pioneiro DJ Marfox, o género é “uma colisão de géneros africanos com house e techno, única dos guetos de Lisboa”, já com reconhecimento além-fronteiras. Este trabalho capta essa dinâmica de fusão cultural e renovação constante, revelando a maturidade de um jovem que equilibra a energia visceral do gueto com uma abordagem cada vez mais profissional e criativa.
Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.
Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.
Recomendações
Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja