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Como muitos cabo-verdianos, Dominick Donk cresceu com um objetivo em mente: emigrar em busca de melhores oportunidades, e Portugal foi o destino. A adaptação não foi fácil, mas foi na barbearia que encontrou a sua primeira oportunidade. E mesmo depois das suas conquistas, o empresário decidiu regressar a Cabo Verde e investir na sua comunidade. Em conversa com a BANTUMEN, partilha um pouco da sua trajetória e o que o motivou à voltar às suas origens.
Logo de início, Donk afirma que “um cabo-verdiano mal nasce e já pensa em ir para Portugal. E posteriormente, para outras partes do mundo. Somos um país migratório, então é uma coisa que está no subconsciente e no horizonte”.
Após concluir o 12º ano, sem condições para seguir para a universidade e exposto a um ambiente de “delinquência juvenil” no bairro onde vivia, a família decidiu ajudá-lo a emigrar à procura de uma vida melhor. Natural da cidade de Praia, o barbeiro foi para Viseu, cidade na região centro de Portugal, com o objetivo de estudar inicialmente num curso técnico de informática. Mas não conseguiu adaptar-se por falta de experiência com computadores. “Eu vim de uma família muito simples, então não tínhamos computador em casa. Não tinha contato com esse tipo de equipamento. Enquanto estava ali no meio dos alunos portugueses, que já dominavam aquilo, porque nasceram e cresceram em frente a um computador. Depois, aqueles termos técnicos, motherboard, aquelas coisas todas, tudo em inglês. Para mim, era um mundo completamente estranho. Eu não consegui adaptar-me naquele curso.” conta.
Tentou, depois, um curso de culinária, mas também não se identificou. Já com alguma prática em cortar cabelo — algo que fazia para colegas africanos em Viseu —, decidiu mudar-se para a cidade do Porto, onde a irmã lhe falou de uma barbearia africana. Pegou nas malas e foi tentar a sorte como barbeiro, profissão com a qual já se sentia mais ligado. E assim começou a nova fase da sua vida.
“Eu não quero ser um vencedor no meio de tantos que não tiveram a mesma sorte. Quero que a grandeza seja junto com o meu povo”
Dominick Donk
Dominick Donk e Gelson Martins via Instagram @dominick_donk | DR
Quando chegou ao Porto, começou a trabalhar numa barbearia já conhecida, mas sem experiência profissional, apenas com prática informal. “Quando eu cheguei, tive que mentir para o senhor, para o dono da barbearia. Eu disse-lhe que eu já era barbeiro em Cabo Verde, que eu já tinha barbearia em Cabo Verde e tudo, que eu já dominava muito bem aquilo. Só que o senhor, dono da barbearia, também cabo-verdiano, ia de férias para Cabo Verde no dia seguinte. E precisava de alguém com urgência", recorda. Mas sem supervisão, os colegas rapidamente perceberam que ele não era profissional, e, ao invés de o denunciarem, decidiram ajudá-lo. Com esforço e apoio, aprendeu e evoluiu tanto que, quando o dono regressou, um mês depois, já era realmente o barbeiro que dizia ser, e pôde continuar no trabalho.
Após ganhar experiência e destaque como barbeiro, especialmente pelo seu carisma e dedicação, foi convidado para trabalhar numa barbearia frequentada por jogadores do Futebol Clube Porto, equipa pela qual era apaixonado. E depois de algum tempo, o antigo patrão, com quem mantinha uma boa relação, ofereceu-lhe um espaço vazio para ele gerir por conta própria, reconhecendo o seu talento e capacidade de atrair clientes. “Ele resolveu entregar-me aquele espaço para eu realmente dar o meu primeiro passo, digamos assim, como um trabalhador independente, para eu poder pôr as minhas próprias ideias, criar as minhas dinâmicas e praticamente ser dono do meu próprio negócio. Só que eu não percebia nada a nível do que era ter um negócio. Foi a primeira vez que eu pus o meu nome na porta de um lugar. E aquilo começou a correr muito bem logo na primeira semana, sempre cheio! Já era notícia por todo lado, como é que um menino de 22 anos, 21 por aí, conseguia abrir uma casa?” relembra.
Contudo, apesar de não ter conhecimentos sobre gestão ou empreendedorismo, Donk aceitou o desafio. A sua maneira espontânea de lidar com as pessoas, fez com que o novo espaço tivesse sucesso desde o início, tornando-se rapidamente uma referência na cidade. Começou a formar uma equipa e a desenvolver uma visão mais empresarial e, sem se aperceber, já tinha criado uma marca forte e era visto como um exemplo na comunidade. Com o tempo, foi ganhando consciência da responsabilidade de ser líder, gestor e referência, tanto para os clientes como para os jovens que o viam como inspiração. A transição de empregado para empreendedor foi guiada por paixão, espontaneidade e reconhecimento natural do seu valor por parte da comunidade e dos que o rodeavam.
O crescimento do público levou Dominick a abrir uma segunda unidade, com uma estrutura maior e que se tornou num espaço de convívio. Neste espaço, o empreendedor quis promover o diálogo e a cultura cabo-verdiana. Por isso, mais tarde, transformou-o num restaurante: a Casa Katxupa. “Foi mais uma necessidade de expressar realmente o sentimento nacionalista que já florava dentro de mim” descreve.
“Quero que os jovens saibam que não é preciso fugir para serem reconhecidos. Podemos vencer aqui [Cabo Verde]”
Dominick Donk
Dominick Donk via Instagram @dominick_donk | DR
Dominick Donk via Instagram @dominick_donk | DR
Mas além de barbeiro e empreendedor, Dominick também é ligado à comunidade e ao voluntariado. Emigrado e longe da família, os natais foram, durante muito tempo, dias solitários. Num desses momentos, decidiu fazer algo diferente: preparar comida e ir à rua, à procura de pessoas que também estivessem a passar essa data sozinhas. “Naquele certo Natal, eu estava realmente muito melancólico. Em vez de passar os Natais todos sozinhos, eu queria realmente passar com alguém naquele dia, só que eu não queria passar com um grupo de amigos, que é a possibilidade que eu tinha sempre. Eu queria procurar pessoas que estavam a passar pela mesma situação que eu, pessoas que realmente não tinham companhia também. Daí, resolvi sair às ruas para procurar pessoas pelas ruas, pessoas que não tinham ninguém, que não tinham família, que viviam na rua e que estavam, ao mesmo tempo, entregues à solidão, como eu estava naquele dia. Então, comecei a fazer uns kits em casa, fiz uma comidinha toda empolgada e dividi. Comecei a sair à rua, a procurar pessoas que pudessem ser a minha companhia e que, ao mesmo tempo, eu pudesse ser companhia para eles também, para que, a nível sentimental, tivesse muito mais significado do que passar com amigos ali a tomar copos e a brincar. E foi, se calhar, o Natal mais especial que eu passei. Foi fantástico. Conheci pessoas fantásticas naquele dia. Saí, criei conexões fantásticas ", conta-nos.
A experiência foi tão marcante que passou a ser uma rotina semanal. Todas as quintas-feiras, saía às ruas da cidade do Porto, com sopas e refeições feitas por si, para encontrar essas mesmas pessoas. Criaram-se laços de amizade, respeito e entreajuda. Não se tratava apenas de alimentar, mas também de estar presente, de conversar e de levar esperança: “Pela primeira vez na vida, eu sentia-me, realmente, uma pessoa útil para o mundo. Eu conseguia ver a minha pessoa num contexto diferente. Já me via como barbeiro, já me via como uma pessoa dinâmica, já via muitas vertentes de mim”.
E a partir daí, algo começou a mudar. “A Casa Katxupa foi o início. Mas mais do que ser empresário, eu queria representar o meu país”, explica.
Esse sentimento ganhou força quando, em 2023, aceitou o convite para dar um workshop de barbearia na Cadeia Central da Praia, em Cabo Verde. O objetivo simples de ensinar técnicas deu lugar àquele que considera ser hoje o seu propósito. “Foi muito mais do que ensinar a cortar cabelos, foi realmente levar para eles uma nova esperança, uma nova dinâmica de vida, uma nova visão sobre eles mesmos e aquilo que eles podem se tornar. São pessoas que só tinham nascido, só conheciam o mundo do crime praticamente. Então, a partir dali eu vi que realmente eu podia fazer a diferença, com o conhecimento que eu já tinha adquirido. Eu podia fazer a diferença realmente na minha comunidade, no meu país, a nível de incentivar outros jovens, a nível realmente de trabalhar e ser o motor realmente de motivar e levantar a minha juventude. Para construirmos algo poderoso juntos, algo poderoso a nível coletivo, para o nosso país inteiro. Ali percebi que podia fazer a diferença”.
“Percebi que, se ficasse em Portugal, estava a ser um cobarde. O verdadeiro sucesso não é individual, é coletivo”
Dominick Donk
A experiência fê-lo questionar-se: seria mais relevante ser um cabo-verdiano de sucesso no estrangeiro ou alguém que usa as suas competências para mudar a realidade no próprio país? “Ser um cabo-verdiano que conseguiu fugir da pobreza e da miséria para fazer sucesso aqui em Portugal ou ser realmente um cabo-verdiano que resolveu pegar nos jovens de Cabo Verde, pegar na sua comunidade, pegar na juventude para conseguirmos realmente ser grandes? Percebi que, se ficasse em Portugal, estava a ser um cobarde. O verdadeiro sucesso que eu reconheço tem que ser algo coletivo. O verdadeiro sucesso não é individual, é coletivo”. E foi assim que tomou a decisão mais radical da sua vida: deixar de parte os seus negócios e regressar a Cabo Verde para trabalhar com a juventude.
Após o regresso a Cabo Verde, Donk continuou com o workshop de barbearia na Cadeia Central de Praia, mas também se envolveu em outros projetos, como a transformação do bairro onde cresceu, Casa Lata. O projeto é liderado pelos jovens da comunidade e visa criar espaços onde a comunidade possa desenvolver capacidades desportivas, competências linguísticas, sociais e entre outros.
Dominick quer quebrar o ciclo que obriga tantos jovens a procurar sucesso fora do país. “Eu não quero ser um vencedor no meio de tantos que não tiveram a mesma sorte. Quero que a grandeza seja junto com o meu povo”, conta-nos. A sua missão é criar oportunidades e inspirar novas gerações para que possam prosperar e sentir orgulho de o fazer em Cabo Verde. “Quero que os jovens saibam que não é preciso fugir para serem reconhecidos. Podemos vencer aqui”, concluiu.
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