Elcides Carlos e a disciplina como raíz da excelência artistica

28 de Outubro de 2025
elcides carlos entrevista
Elcides Carlos | DR

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Mas afinal, a arte é fruto de um dom ou a prática e a disciplina tem algum contributo para a excelência? Assim começava a nossa conversa com Elcides Carlos. Observador e minucioso, o artista não hesitou em responder que  na arte, no geral, existem dois tipos de pessoas: as que não cultivam a disciplina, porque acreditam na inspiração e; as que a cultivam a disciplina como forma de estar. Por isso, defende que sem disciplina  não se chega a excelência.

Guitarrista e  professor de música,  lançou em Maputo (Outubro de 2025) a obra A Mente de um Grande Guitarrista, um guia de motivação artística, primeira obra literária, que nasce da necessidade de propor formas de ser, estar e atuar profissionalmente na música. Por um lado, a obra partilha as histórias, os nomes e as músicas que nortearam o seu trajecto e por outro, “mostra através de exemplos, o quanto a planificação, a persistência e a disciplina jogam um papel crucial na formação de qualquer fazedor de arte”, explicou. Na publicação destaca também a disciplina como um elemento crucial para a consolidação da carreira de guitarrista e explica que “ a guitarra é um instrumento musical que exige coordenação motora, agilidade, controlo e precisão. Esses elementos só se consolidam com disciplina, ou seja, com a prática constante e estruturada”.

Admirador incontornável de João Cabral, reconhece a influência que o irmão, e também guitarrista, teve no seu percurso ao longo destas duas década de carreira. “Quando o meu irmão se mudou para a Cidade do Cabo para estudar na UCT (University Of Cape Town), mesmo à distância continuou a mentorar-me, indicando músicos, partilhando material didático e motivando-me a evoluir. Nas férias, passávamos horas em jam sessions, e mais tarde, ao integrar a sua banda, aprendi sobre convivência musical, disciplina e gestão de carreira. Uma das suas maiores lições foi que, depois da técnica, o tempo e as vivências são o que moldam a maturidade artística”. 

Jimmy Dludlu influenciou-o no que diz respeito à composição, arranjos e performance ao mesmo tempo que o conduziu a refletir sobre a influência da identidade africana e moçambicana no jazz. Essas influencias viriam a materializar-se em 2022 com o lançamento do álbum “Sense of Presence”, composto por 12 faixas, entre as quais se destacam temas como “Dietas da Moda”, “Ha Fana” e “Nyandayeyo”.


Elcides Carlos | DR


Nascido e criado na periferia de Maputo, no bairro “Chamanculo D”, foi  lá que entrou em contacto com o jazz, através dos discos de vinil colecionados pelo pai e mais tarde, ao ver e a escutar o seu irmão  a tocar.  Para além disso, guitarristas como Nanando e Jimmy Dludlu, baixistas como Dulinho, Filipinho, entre outros músicos, para além de serem de “Chamanculo”, eram pessoas que frequentavam a casa onde cresceu. “Somando tudo isso, eu acredito que, se eu não fosse guitarrista, eu seria guitarrista” , ironizou. Para o guitarrista, os espaços periféricos são verdadeiros celeiros da criação artística e de  reconhecimento das raízes em detrimento da modernidade, pois  “é aqui onde estão escondidos os nossos maiores tesouros culturais como Fany Mpfumo, Malangatana, José Craveirinha, Zaida Chongo e tantos outros.”

Além de instrumentista, Elcides é professor de guitarra  na ECA-UEM desde 2010, e admite ver a formação musical em Moçambique a avançar,  apesar  de não esconder o desafio de operar num ambiente marcado pela falta de articulação entre os diferentes níveis de ensino. Nesse sentido, apela à criação de bases sólidas de formação no ensino básico e considera “urgente criar escolas de música com currículos que preparem os estudantes para o ensino superior. Contudo, apesar das limitações, docentes e estudantes têm dado o seu melhor, e os resultados são visíveis. Muitos projectos e bandas de destaque em Maputo incluem músicos formados ou que passaram pela ECA, como Onésia Muholove, Radjha Aly, Sarmento de Cristo, Nicolau Cauaneque, Délcio Vembane, Tony Guindo, Matias Macuácua, Roberto Chitsondzo Júnior, Albano Carlos e Mahu Mucamisa” .

Já em jeito de conclusão, o guitarrista faz uma reflexão sobre o jazz na lusofonia e aponta a fraca visibilidade e a falta de oportunidades como fatores que não permitem a coesão  dos fazedores de jazz da comunidade lusófona. Aponta que são necessárias mais iniciativas e festivais que nos aproximem como comunidade. “Há esforços isolados, mas pouco apoio institucional. “O jazz é património imaterial da humanidade, movimenta pessoas, gera intercâmbio cultural e impulsiona economias, algo que os países lusófonos ainda precisam explorar mais”, afirma, acrescentado que o público pode esperara muito mais de si em termos de criações de jazz, colaborações e livros. “É cultural e artisticamente negativo não nos aventurarmos constantemente a novas formas de ser, estar e fazer o que nos distingue dos outros. Costumo dizer que “reinventar-se é essencial para a longevidade artística”, remata.

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