Pé na Terra: "Não é sobre combate. É sobre lembrar que somos incríveis", Kelly Tonaco

21 de Julho de 2025
Festival Pé na Terra almancil
Fotografia de @brunabuniotto

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Depois de mais de uma década a unir culturas, memórias e corpos em movimento na vila da Fuseta, o Festival Pé na Terra prepara-se para uma nova etapa. A 13.ª edição do evento realiza-se em Almancil, no concelho de Loulé, nos dias 12, 13 e 14 de setembro de 2025. A mudança surge como resposta ao crescimento sustentado do festival e à necessidade de uma estrutura de acolhimento mais robusta.

Em conversa com a BANTUMEN, Kelly Tonaco, fundadora, idealizadora e força motriz por trás do festival, explicou o simbolismo desta transição, o desejo de aprofundar o diálogo com as comunidades locais e a emoção de colher os frutos de 12 anos de trabalho. “Desde 2022 que sabíamos que tínhamos de mudar, mas esperemos até 2024 para fechar o ciclo na Fuseta”, conta. “A cidade de Loulé surgiu de forma muito orgânica. Foram parceiros, fornecedores locais, pessoas que vieram ter comigo. Quando apresentámos o projecto à Câmara, a resposta do presidente foi: ‘Uau, adorava ter esse projecto na cidade’. Tudo fluiu naturalmente.”

A escolha de Almancil não foi apenas logística e baseou-se, em parte, naquele que é o contexto social e demográfico da região. A vila alberga uma população composta por cerca de 40% de pessoas imigrantes ou filhas de imigrantes, sobretudo de origem brasileira, cabo-verdiana, guineense e venezuelana, o que reforça a coerência entre o território e os valores do festival. “Faz mais sentido estarmos num ambiente como este, multicultural, do que numa vila quase 100% portuguesa”, defende.

Sob o mote “Colheita”, a edição pretende assinalar um momento de celebração e amadurecimento do projeto. O festival, que começou com apenas 500 participantes, recebe hoje entre três a quatro mil pessoas por dia, e em Almancil, terá capacidade para acolher até oito mil. “As festas de colheita são também rituais de agradecimento. E a dança faz parte desse culto, dessa espiritualidade. Esta edição é sobre isso.”

Apesar de o Pé na Terra celebrar as culturas lusófonas, o público tem sido maioritariamente europeu e Kelly vê isso como uma ponte entre mundos. “Temos muitos europeus apaixonados por estas culturas, que viajam até ao Brasil, a Angola, a Luanda... E vêem no festival esse ponto de contacto. Mas o festival também é para quem já traz essas danças no corpo, para quem cresceu a dançar em casa com a família. Queremos que o público lusófono se sinta representado e confortável.”

A curadoria da edição de 2025 reflete essa dualidade entre tradição e contemporaneidade. BaianaSystem encabeça o cartaz com a sua fusão entre ritmos populares e música electrónica, a artista cabo-verdiana Kady junta-se às batucadeiras do Grupo Firmeza, e o colectivo Forrofiá traz o forró tradicional do Brasil.



Edição de 2024 do Festival Pé na Terra | Fotografia de @brunabuniotto



O festival contará ainda com actuações do Fado Bicha, “um projecto que devia estar em muito mais cartazes”, e da dupla Mariana Aydar e Mestrinho, vencedores do Grammy Latino com um álbum de forró.

Um dos momentos mais aguardados é o tributo à mítica banda guineense Super Mama Djombo, numa interpretação a três vozes por Mikas Cabral, Manecas Costa e Karyna Gomes.

A programação inclui mais de 40 oficinas de dança e percussão (entre samba, maracatu, forró, kizomba e funaná), sunset parties com DJs, exposições, feira de artesanato, workshop, zona infantil com actividades gratuitas e um berçário montado especialmente para famílias com crianças pequenas.

A gastronomia também ocupa um lugar central e este ano, os visitantes vão poder saborear pratos típicos do Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Portugal, confecionados por mães e avós da região. “Vamos ter uma cantina afetiva. Nada de chefs. É comida de verdade, com memória, com cheiro de infância.” A estrutura do festival inclui ainda uma zona de campismo, organizada em parceria com a Nomad Pop Up.

Num contexto político e social marcado por tensões identitárias em Portugal, e um pouco por toda a Europa, Kelly sublinha a importância do Pé na Terra como espaço de afirmação cultural e pertença. “Não é sobre combate. É sobre lembrar que somos incríveis. Criámos culturas riquíssimas, quebramos barreiras, temos muito de que nos orgulhar. Quero que as pessoas saiam daqui com o peito cheio, menos envergonhadas, menos cabisbaixas. É uma afirmação: estamos aqui. Esta também é a nossa terra.”

Apesar do crescimento, a organizadora faz questão de preservar a essência do festival. Não há ambições de o transformar num mega evento. “Gosto de pensar no Pé na Terra como o Andanças ou o Boom. Festivais com identidade própria, com comunidade, com alma. A experiência e a conexão são o mais importante”, concluiu.

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