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Há meses que o nome de Gisela Mabel circula pela redação da BANTUMEN. Primeiro, porque integrou a coletânea anual “Piano Day”, de Nils Frahm, um compositor alemão que tem a ousadia de cruzar música clássica com eletrónica. Depois, porque recebeu o prémio de Melhor Álbum de Jazz do Ano nos SoloPiano Awards, distinção internacional que a colocou no mapa da música instrumental. Ainda assim, não me deixei levar pela curiosidade e continuei sem a ouvir. Até este sábado, 28. E não foi por ela, confesso. Queria conhecer a nova Casa Capitão, agora remodelada para ser espaço vivo de cultura e aproveitei para conhecer a música da Gisela.
A música dita erudita chama-me a atenção em momentos muito peculiares. Na minha gravidez senti uma necessidade de ouvir algo que me proporcionasse o ambiente sonoro daquilo que estava a viver sentimentalmente: paz. Como não é, nem de longe, a minha praia, fui diretamente aos nomes e títulos mais óbvios, conhecidos até por quem nunca ouviu ou leu a palavra partitura. Enquanto outros estilos evocam-me determinados sentimentos, no momento certo, a música clássica, a música instrumental, tem um certo poder de me elevar a uma atmosfera de silêncio existencial.
Voltando ao concerto - que serviu de apresentação do EP Álbum de Retratos (2024) - assim que a Gisela subiu ao palco daquela sala de tons terrosos, primeiro fiquei admirada com a sua altura e presença. Sei lá eu porquê, imaginei-a franzina, singela... provavelmente culpa de ideias pré-concebidas em relação a quem faz o tipo de música que ela faz. Depois, ao ouvir as primeiras notas de “Translucent”, a sua mais recente composição e que abriu a noite, pensei: afinal não vim só conhecer a Casa Capitão. Que sublime.
Mas antes de lá chegar, a minha atenção prostrou-se um pouco antes: o concerto abriu com um breve solo de violoncelo - instrumento de que gosto particularmente -, tocado por Bruna Maia de Moura, e que acompanhou toda a atuação pianística.
Entendo que apelidem a música da Gisela Mabel de Jazz mas é muito mais do que isso.
Foi precisamente por isso que senti que estava a morar naquelas composições que ouvi em pouco mais de hora e meia. Ouvi na sua música a canção portuguesa, jazz, bossa nova, semba, e, além dos estilos, arrisco dizer que até ouvi uma saudosa Cesária Évora. Senti também rap, senti tanta coisa. (Depois, fui ler uma entrevista e percebi que errada não estava: a Gisela imprimiu na sua música uma miscelânea de sonoridades que definem a sua história e traduzem a sua alma).
Ouvir a Gisela é vê-la tornar-se música. Não é apenas sobre o ritmo dos seus dedos sobre teclas e nem sobre as notas que o piano vai exclamando. É o seu corpo inteiro a traduzir sentimentos. Ela balança quando o ritmo pede, vocaliza suavemente nas melodias suaves, expira vorazmente quando as notas se precipitam na ânsia de um desabafo. O rosto acompanha cada viragem, cada nuance, e nós, espectadores, entramos nesse íntimo com ela.
Cada uma das suas músicas tocou-me de forma diferente, mas houve uma que me marcou especialmente. Era demasiado familiar. “Choro Africano” é o título daquilo que “não é um lamento é uma resposta, não é um choro de dor é um grito de presença. Não é sobre presença é sobre sentir”, descreveu a artista ao microfone.
É inexplicável como a música consegue comunicar coisas que as palavras não conseguem definir e que, muitas vezes, nem os próprios sentimentos, por si só, conseguem clarificar.
Gisela Mabel, que belo encontro.
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Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.
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