“O meu sonho cresceu com a minha aprendizagem”, Iman África e a visão de quem faz música sem pressa

27 de Maio de 2025

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Emanuel Tavares, conhecido no circuito artístico como Iman África, cresceu entre serenatas no quintal, cartas de amor escritas por encomenda e poemas que mais tarde ganharam som. Cabo-verdiano de origem, atualmente residente em Portugal, leva na música a extensão das suas vivências pessoais e culturais. Recentemente lançou Celebra Vida, single que pode ser visto como um exercício biográfico e sonoro.


Sem esquecer as suas raízes e a forma como serviram de base para o trabalho que desenvolve hoje, conta-nos que a escolha do nome artístico não foi ao acaso. "O íman é como se eu fosse uma metáfora dessa ligação minha com a minha raiz africana", explica e acrescenta que essa ligação se traduz numa música que assume o território africano como ponto de partida, mas que dialoga com outras geografias e influências. À semelhança do que acontece com alguns músicos da nova geração, Iman também defende a importância de inovar sem perder o lado tradicional. E acredita que essa fusão não desvirtua a música, pelo contrário, pode acrescentar valor. “Quando eu faço uma música, eu digo que é música africana conectada com a música do mundo, mas sempre com aquela autenticidade cabo-verdiana e africana”.


Em Cabo Verde, ainda adolescente , começou a escrever poesia e a responder aos pedidos de amigos que queriam conquistar com palavras. “Hoje em dia já não escrevem cartas, mas aquilo era uma emoção. Eu fazia muito, principalmente no dia dos namorados. Às vezes faziam fila”. As cartas foram o ponto de partida para ganhar o gosto pela escrita, mas foi através de Ivandro, um amigo do liceu que lhe ensinou os primeiros acordes de guitarra, que a música surgiu e foi ao combinar esses dois lados que se consolidou também enquanto compositor. “O meu sonho cresceu com a minha aprendizagem”, acrescenta e reforça que viu na música a forma ideal para fazer com que as pessoas “lessem” as suas poesias de outra forma.




A mudança para Portugal, inicialmente motivada pelos estudos, trouxe-lhe dúvidas e certezas. De um lado a confirmação de que queria realmente viver da música e do outro as dificuldades para entrar num mercado onde teve que aprender a começar de novo, descobrir espaços, pessoas e contextos. Apesar de entender Portugal como a “11.ª Ilha”, muito por causa da diáspora, reconhece que ao contrário do que imaginava, em Cabo Verde tinha uma base mais sólida, com referências e contactos. E esse foi um dos motivos que o levou a não desistir. Entre cá e lá, Iman foi encontrando o equilibrio necessário para continuar a desenvolver a sua arte.


Participou em concursos como a Voz da Diáspora e envolveu-se em projetos interculturais. Em 2010 integrou um intercâmbio promovido pela Associação Mais Cidadania, onde gravou músicas em colaboração com artistas de outros países. “Conheci pessoas que até hoje estamos em contacto e eu que eu continuo a procurar”.


A conjuntura fazia prever um percurso em crescendo, mas a pandemia obrigou-o a alterar planos. O álbum Musica na Mi, que já estava em fase final de produção, viu a sua divulgação comprometida e revelou-lhe que o percurso de um artista é mais complexo do que imaginava. “Quando era criança, pensava que era só ir lá no estúdio gravar. Tu sozinho não consegues fazer isso”. Numa altura em que certos artistas ainda se viam a braços com a falta de meios necessários para se conseguirem estruturar, a adaptação ao digital surgiu como alternativa e passou também a fazer parte do processo de criação, mas Iman não esconde que o formato exigiu novas competências, entre elas a capacidade de comunicação com o público online, habituado a formatos rápidos e dinâmicos. “Tive que descobrir novas formas de divulgação. Essa parte também faz parte da criação do meu álbum”.


“Para mim, na minha cabeça, eu ia gravar as músicas para o YouTube, as pessoas ouviam e alguém me liga para ir a um concerto. E não é bem assim.” A experiência trouxe-lhe uma visão mais clara do funcionamento da indústria e a convicção da importância de se manter ativo até alcançar a audiência que ambiciona. Vê a fama como uma corrida de “100 metros”, onde na impossibilidade de todos serem um Usain Bolt, cada artista tem o seu “momento para chegar à meta” e isso fá-lo por em contraponto a dualidade entre realidade e sonho: se é verdade que quer viver da música, também é com expectativa que assume o desejo de ser ouvido e apreciado pelos fãs.


Com um single prestes a sair, o músico retoma também o plano de começar a trabalhar no novo álbum, desta vez mais por dentro da indústria e daquilo que o mercado pede. De olhos no futuro, mas sem pressa, Iman assume que o seu processo criativo é fluido e sem rigidez. “Não gosto de esforçar o processo... deixo que as coisas fluam naturalmente, como na natureza”. Acredita que o produto final é tanto melhor quanto maior for a naturalidade do contexto em que surge e a inspiração pode vir de uma palavra ou de uma conversa. A composição, nesse registo, é um reflexo da sua forma de estar. “Através de uma palavra, podes até escrever uma história”.


Quando questionado sobre que música escolheria para se apresentar, escolhe Na Asa Sabedoria. A canção recorda episódios familiares e serve como cartão de visita do músico e da pessoa que viu no conhecimento uma forma de alimentar o sonho. Iman África vê-se como autodidata e romântico, no sentido de valorizar aquilo que é bom. “Gosto de pegar nas coisas boas da vida para fazer música. Se eu falar sobre algo mau nas minhas músicas é para as pessoas aprenderam com aquilo, mas não para fazerem”, conclui.


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