Jaqueline Ngulo e o desafio de transformar a Women in Tech Angola em motor de mudança

18 de Setembro de 2025
Jaqueline Ngulo entrevista
Jaqueline Ngulo | DR

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Há quem veja o destino como um guião fixo, traçado com antecedência e há quem, como Jaqueline Ngulo, perceba cedo que a vida é feita de recomeços. Engenheira de sistemas elétricos, empreendedora e escritora, define-se sobretudo pela resiliência e pela convicção de que cada obstáculo pode transformar-se em oportunidade. 

Recentemente, assumiu a direção da Women in Tech Angola, capítulo nacional da maior organização mundial dedicada a reduzir a desigualdade de género na tecnologia. “Sou uma mulher que teve de recomeçar, de me reinventar, de despertar para diferentes facetas da vida. Aprendi o tamanho da nossa força diante das dificuldades. Só não conseguimos o que realmente não queremos”, começa por dizer, sem hesitar.

Ao falar de si, sublinha que precisou de aprender a posicionar-se para não ser apenas “mais uma” na sociedade. “Criei as minhas próprias regras. Não é sobre feminismo, nem apenas sobre igualdade, é sobre equidade, equilíbrio, e sobre não aceitar que alguém imponha barreiras aos meus sonhos, aos meus desejos, à minha vida.” E acrescenta: “Muitas pessoas estão habituadas ao ‘sim’ constante e não sabem lidar com o ‘não’. Mas é o ‘não’ que nos transforma, que nos faz correr atrás. Se a vida fosse só flores, sem espinhos, tudo seria demasiado fácil. E nem sempre a facilidade nos dá competências; muitas vezes é a dificuldade que nos fortalece.”

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Universal - Soraia Ramos

Quero que exista concorrência, que haja mais mulheres na tecnologia, mais mulheres a reinventarem-se

Jaqueline Ngulo

Jaqueline Ngulo entrevista

Jaqueline Ngulo, fotos DR 2025

Foi essa mentalidade que a acompanhou na universidade, em plena gravidez, e que acabou por a transportar para a profissão. “Na engenharia, aprendi isso de forma prática. É nos erros que nos tornamos especialistas. Se ninguém nos criticasse, se tudo fosse perfeito, nunca iríamos evoluir. Eu não quero ser a única, quero ser das melhores. Quero que exista concorrência, que haja mais mulheres na tecnologia, mais mulheres a reinventarem-se. Mas precisamos compreender o que nos torna únicas: a autenticidade. Ninguém entrega como tu entregas.”


Na infância, admite que sonhava com palcos e que “quis ser cantora, dançarina, coreógrafa”, mas o pai, firme, respondia sempre “primeiro estuda, depois podes cantar”. Na altura, sentiu as palavras como um travão. Hoje, órfã, reconhece a intenção de proteção. “Não basta ter a bênção, é preciso sabedoria para a gerir. Muitas famílias humildes olham para o filho que se destaca como a luz, como a solução. Mas poucos percebem o peso dessa responsabilidade. Por isso, mais do que pedir bênçãos, eu peço sempre sabedoria.”


O destino acabou por levá-la à engenharia, mesmo que não fosse esse o seu plano inicial. “Eu não escolhi a engenharia, a engenharia escolheu-me. Sempre quis me comunicar, sonhava em estudar Direito, mas fui parar aos sistemas elétricos. Não era paixão, mas não podia ser mais uma. Decidi que ia entregar, e bem.”

Entre a pessoa que queria ser e a pessoa que acabou por tornar-se, existe um percurso, assente na consistência e no empenho, explicado através de uma metáfora futebolística: “Se eu não for Messi, que eu seja Cristiano Ronaldo. Se não tiver o dom, com dedicação, disciplina e muito treino, vou capacitar-me para entregar com qualidade.”

Jaqueline engravidou aos 19 anos e, quando todos esperavam que desistisse, ganhou uma bolsa do Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INABGBE), através da qual concluiu o curso. “Todos achavam que eu ia falhar. Mas fui a única mulher da turma, a única que engravidou e ainda assim defendi a licenciatura. A legenda que escrevi nesse dia dizia tudo: ‘a que engravidou e que tinha tudo para não dar certo, mas deu certo”, admite, acrescentando que essa fase foi marcada por um período onde, além da carga horária das 8h às 23h, trabalhava como assistente de laboratório, o que fez com que perdesse cerca de 20 quilos durante a gravidez. 


Jaqueline Ngulo entrevista

Jaqueline Ngulo | ©FeliciaAntonio 

Hoje, o filho está prestes a completar dez anos e, apesar das conquistas, fala da maternidade com pragmatismo e reafirma a necessidade de não romantizar casos como o seu. “Não é romantismo, é responsabilidade. Não aconselho ninguém a encarar como brincadeira. É duro, mas possível com disciplina, fé e foco.” Admite que faz questão de educar o filho para o futuro, dotando-o das ferramentas necessárias para que “perceba que cada um deve correr atrás dos seus objetivos”, tal como a própria tem feito.

Em março de 2025, Ngulo lançou Malongui da Minha Avó, livro que reúne provérbios transmitidos de geração em geração na sua família, e obra que planeia traduzir e disponibilizar online. “É uma obra pequenina, mas carrega herança de sabedoria e cultura. A capa tem as imagens da minha avó, da minha mãe e a minha, símbolo da passagem de ensinamentos entre gerações.”

O lançamento, que teve lugar na Mediateca de Luanda a 29 de março, contou com poesia, música, violino e homenagens. Nesse mesmo dia foram vendidos 170 exemplares e tempos depois, teve oportunidade de levar algumas cópias até ao Japão, onde participou num encontro internacional de ciência e tecnologia. “Foi emocionante ver algo tão ligado às nossas raízes numa embaixada estrangeira”, confessa.

A experiência da escrita abriu também espaço para refletir sobre o poder da palavra, e foi num convite para moderar um evento sobre cibersegurança que percebeu que tinha “coisas para acrescentar” e que poderia explorar mais as suas capacidades enquanto oradora. A partir daí, começou a aceitar convites, a palestrar, a escrever e a estudar marketing. A nova faceta profissional levou à criação da Veuma, projeto de desenvolvimento social e empresarial que trabalha marca pessoal, soft skills e comunicação corporativa. “Mais do que competências técnicas, precisamos rever-nos em valores como empatia, respeito e inteligência emocional. Percebi que podia usar a comunicação como ponte para isso.” E sublinha: “Posso ter tatuagens, beber shots ao fim de semana, usar minissaia, e ainda assim ser uma engenheira competente, uma profissional dedicada, uma mãe responsável. Quero mostrar que podemos ser multifacetadas e autênticas.”

É com base em todo esse percurso que abraça agora o desafio de dirigir a Women in Tech Angola. A organização, fundada em 2018 por Ayumi Moore Aoki, é a maior rede mundial de promoção da igualdade de género na tecnologia. Está presente em 54 países, reúne mais de 250 mil membros e tem como meta impactar 5 milhões de mulheres e meninas até 2030, trabalhando para capacitar mulheres em STEAM, apoiar empreendedoras, garantir acesso digital e desafiar preconceitos de género na indústria tecnológica.


Para Jaqueline, o cargo representa mais uma oportunidade de alinhar a sua história pessoal com uma missão global. “Se não for para impactar vidas, não vale a pena viver. Estou pronta para este novo desafio e para transformar o máximo de vidas que conseguir”, conclui.

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