Jimmy P e a “Prova Viva” de que a vulnerabilidade também nos engrandece

10 de Outubro de 2025
Jimmy entrevista
Jimmy P | DR

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Mais de uma década depois de se estrear com #1, Jimmy P reencontra-se num ponto de equilíbrio onde o tempo, a maturidade e o silêncio convergem. À beira do lançamento de “Prova Viva”, single que inaugura uma nova etapa da carreira e que sucede os lançamentos de "aura", "Mulemba" e "Fogueira", o artista conversou com a BANTUMEN, num momento em que se apresenta menos refém da urgência e mais próximo de uma verdade que demorou a reconhecer: a de que a vulnerabilidade é, também ela, uma forma de grandeza.

Desde os primeiros versos, ainda em 2009, Jimmy fez do rap um território de identidade, resistência e pertença. Cresceu entre margens culturais, filho da diáspora angolana, e encontrou na música uma forma de se afirmar. O país conheceu-o pela entrega emocional e pela clareza das palavras - uma combinação pouco comum num género que, à época, ainda se equilibrava entre o protesto e a sobrevivência. Essência (2013) consolidou-o como letrista sensível, capaz de transformar inquietações pessoais em linguagem universal; FVMILY F1RST (2016) afirmou-o como contador de histórias, um artista já senhor da sua estética; e Abensonhado (2020) deu-lhe o tom mais espiritual, revelando um intérprete à procura de sentido num mundo que já não o deslumbrava. Agora, com “Prova Viva”, reconfigura toda essa trajetória, num tema fruto das suas próprias experiências pessoais.

“É inevitável que haja evolução. Se não houver, significa que estás estagnado”, diz com serenidade enquanto recorda o início como quem observa uma versão antiga de si próprio. “No começo era uma necessidade absoluta que as minhas músicas tivessem sucesso. Queria viver da música, sustentar a família. Hoje isso já não é uma prioridade e essa liberdade dá-me discernimento para escolher melhor o que quero fazer.” A consciência e o impulso que o faziam correr deram lugar a um passo mais ponderado, menos ansioso, mas mais seguro do caminho.

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“O hip-hop é um meio muito masculino e, às vezes, tóxico. Ensinaram-nos que tens de ser sempre forte, sempre o gajo duro. Mas isso é uma capa”

Jimmy P

A clareza de agora nasceu da travessia dos últimos anos — um tempo de recolhimento, mas também de confronto onde “a saúde mental foi o ponto de partida. À medida que fui avançando, fui retirando camadas e questionando tudo o que me tinham ensinado.” O processo obrigou-o a revisitar a infância, a lidar com memórias antigas e a reconhecer feridas que preferira ignorar. “Foi preciso parar para entender o que me movia. E perceber que, para evoluir, era necessário desaprender.”


A procura pelo equilíbrio interior acabou por conduzi-lo a um reencontro com a ancestralidade, algo que já vinha a fazer desde o nascimento da filha mais velha, a quem fez questão de, aos poucos, mostrar aquilo que, durante anos, existira apenas como herança distante. Cabo Verde foi o primeiro destino; o Senegal, a epifania. “Foi lá que tive o clique. Fiz testes de ADN, falei com os meus avós, com os meus pais, e percebi que havia muito mais em mim do que imaginava.” Descobriu que metade do seu ADN o liga à região entre Benim, Togo e Nigéria. “Eu achava que era apenas descendente de angolanos, mas descobri que sou feito de muito mais lugares.” As viagens tornaram-se rituais de descoberta, mas também de despojamento. “Cada passo nesse caminho foi uma forma de retirar peso e ganhar leveza. Há coisas que não são para carregar a vida toda.” A leveza - conquistada à força - foi o ponto de partida para falar de vulnerabilidade como poder e não como fragilidade. “Acredito que a vulnerabilidade é um superpoder. Fomos educados para achar que ser vulnerável é sinal de fraqueza, mas aprendi que é o contrário. Só quando admites que não estás bem é que consegues começar a curar-te.”


A reflexão ganha espessura vinda de quem cresceu no seio do hip-hop, um universo que construiu a masculinidade sobre a dureza e o desempenho. “O hip-hop é um meio muito masculino e, às vezes, tóxico. Ensinaram-nos que tens de ser sempre forte, sempre o gajo duro. Mas isso é uma capa. O verdadeiro poder está em assumires o que és, mesmo quando isso significa mostrares as tuas fragilidades.”


Ao revisitar o passado, Jimmy encontrou a serenidade e, com ela, um novo modo de olhar os outros. “Durante muito tempo vivi com mágoa em relação à minha família. Este processo ajudou-me a olhar para eles com outros olhos. Percebi que fizeram o melhor que sabiam, com as ferramentas que tinham.” Acrescenta que só quando aprendeu a ver as pessoas pelas experiências que as formam é que conseguiu reconciliar-se com o que antes o magoava. “Muitas das coisas que eu guardei e que deixaram feridas nem foram intencionais. Só depois de fazer esse caminho é que consegui agradecer-lhes por tudo o que fizeram por mim.”

Jimmy entrevista

Jimmy P | DR

A introspeção foi além da esfera pessoal e o artista fala de um período de verdadeira “escavação” interior - “tive de visitar lugares que me assustavam”, recorda -, que o levou a procurar ajuda profissional. “Fui acompanhado por psicoterapeutas e por especialistas de várias áreas. E todos me obrigaram a ir a fundo, a falar das coisas de que tinha fugido. Da infância, da adolescência, de memórias que estavam guardadas.” Foi um processo exigente, diz, mas necessário para compreender as raízes da própria inquietação: “Às vezes reprimimos o que nos dói, mas isso acaba por se manifestar na vida de outras formas.” 


Dessa reconstrução nasceu também uma serenidade nova, agora visível na forma como fala da indústria e do seu lugar dentro dela. “Mudei de equipa, de estrutura, de tudo. Desvinculei-me de muita gente, porque percebi que não podia crescer com quem me impunha limites.” Durante um ano, afastou-se dos palcos e da pressão do mercado. “Precisei de estar sozinho para perceber o caminho que queria seguir. Na indústria há muita gente perto de ti pelo que geras, não pelo que és. E eu precisava de silêncio para reencontrar propósito.”


Prova Viva nasce como testemunho desse período de silêncio e é, nas palavras do próprio, um “tema honesto, denso, até pesado na energia. Quis perceber como seria recebido num tempo em que tudo precisa de ser rápido e leve.”  A reação do público após a publicação de alguns excertos da música nas redes sociais surpreendeu-o e fê-lo perceber que “há mais pessoas do que imaginava a passar pelos mesmos processos. Às vezes, basta alguém dizer: eu também já estive aí.” O artista conta que até o pai se reviu na canção. “A minha vida foi diferente da dele, mas quando lhe mostrei o tema, ele disse: ‘isto é a história da minha vida’. A música é isso: quando a verdade de um se transforma em espelho para outro.”


A canção assinala um regresso sem nostalgia, o ponto em que o artista e o homem caminham lado a lado, sem se anularem. “Neste momento estou mais preocupado com o que vou deixar do que com o que vou fazer a seguir. Quero desfrutar do processo, não apenas do resultado.”


Ao evocar o miúdo tímido e inseguro que foi, “dir-lhe-ia que todos os receios e medos que ele tinha nessa altura não faziam sentido. Que podia confiar no talento, na visão e na progressão dele. Que as coisas iam acabar por acontecer naturalmente. Dir-lhe-ia que estava muito orgulhoso. Porque foi isso que ele sentiu falta de ouvir naquele tempo: alguém dizer-lhe que estava orgulhoso dele.”


A frase encerra o ciclo que percorreu toda a conversa: o reconhecimento de que, por trás da rigidez que o hip-hop tantas vezes exige, há uma humanidade que se quer resgatar. É nela que o artista hoje se move, com a serenidade de quem aprendeu que a força nada mais é do que a coragem de mostrar a fragilidade.

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