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O que começou como um percurso íntimo de reconciliação com o próprio cabelo transformou-se num projeto de saúde capilar com escala e método. Foi assim que Dina Moreira fundou a Jornada Capilar, hoje um centro especializado que se posiciona na prevenção, manutenção e recuperação de disfunções do couro cabeludo e dos fios, recusando a lógica do “salão” para assumir a da clínica.
“Terapia capilar consiste em métodos de prevenção, manutenção ou recuperação de problemas associados tanto ao couro cabeludo como aos fios”, explica, sublinhando que a intervenção não deve começar “quando a casa já caiu”, mas antes, com acompanhamento regular e avaliação individualizada.
A origem do projeto está diretamente ligada ao processo pessoal da sua fundadora, que, em 2014, confrontada com estigmas e com a normalização de práticas que fragilizavam o cabelo crespo, iniciou um percurso de estudo e experimentação, guiado pela necessidade de recuperar a saúde do próprio fio. O resultado, descrito como “uma evolução bonita a nível de saúde capilar”, funcionou como motor para a etapa seguinte: partilhar conhecimento, desmistificar preconceitos e profissionalizar uma área que, na altura, carecia de técnica e de enquadramento. Dois anos depois, já comunicava rotinas e aprendizagens nas redes, num movimento que abriu caminho para a prática clínica.
“Muito do que se estudava estava relacionado ao cabelo caucasiano”
Dina Moreira

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A especialização em tricologia permitiu-lhe aprofundar os fundamentos científicos, mas também reconhecer limitações no corpus académico. “Muito do que se estudava estava relacionado ao cabelo caucasiano”, lembra, identificando a necessidade de desenvolver um método adaptado às especificidades do cabelo afro. Assim nasceu o Scalp Love, um sistema de diagnóstico e intervenção que parte da premissa de que “o couro cabeludo é o alicerce para um cabelo saudável”. Essa visão holística levou-a a consolidar um quadro de trabalho que articula ciência, rotina e educação, pilares que se tornaram a espinha dorsal da Jornada Capilar, cuja pedagogia é parte integrante da missão.
Colocar alimentos, como azeite ou abacate, no cabelo funciona? Quantos mitos e quantas verdades cabem nas “receitas caseiras” e nas “fórmulas mágicas de crescimento” espalhadas pelas redes sociais? As crenças que circulam — muitas vezes validadas pela repetição e não pela evidência — estão presentes no quotidiano das suas consultas. Um dos mitos persistentes é o de que “o cabelo cresce melhor em couro cabeludo sujo”, uma convicção que leva inúmeras pessoas a lavagens espaçadas e abre caminho à inflamação, descamação e prurido. Dina insiste que a lógica deveria ser a mesma que aplicamos ao rosto: cuidado frequente, higiene regular e leitura atenta dos sinais. “Só o facto de lavarmos o cabelo semanalmente ou pelo menos duas, três vezes por semana já elimina vários problemas”, afirma, apontando para a normalização da limpeza como o primeiro gesto de saúde capilar.
A clientela, ainda que maioritariamente feminina, tem crescido ao longo dos anos. “Atendemos homens também”, sublinha, ao mesmo tempo em que descreve um perfil mais pragmático, de quem chega “a querer resultados”. A alopécia androgenética, a caspa e a oleosidade são as queixas mais comuns no público feminino, enquanto, entre utilizadores de dreadlocks, a preocupação recai sobretudo na prevenção da alopécia por tração, causada por manutenções demasiado apertadas ou frequentes. O trabalho clínico, nestes casos, exige intervenção técnica, mas também realinhamento de práticas e ritmos.
“Só o facto de lavarmos o cabelo pelo menos duas, três vezes por semana já elimina vários problemas”
Dina Moreira

Quando o tema são tranças, extensões ou perucas, Dina recusa dicotomias e assume que o problema não reside no adereço, mas no uso contínuo sem pausas de recuperação. Por isso, insiste na alternância: “Se usou tranças por um mês, é necessário ficar com o próprio cabelo pelo menos um mês para cuidar e respirar.” O equilíbrio entre estilo e saúde é, na sua perspetiva, a única forma sustentável de evitar danos cumulativos.
A falta de regulamentação em Angola confere ainda maior importância à literacia do consumidor. A tricologista acompanha estudos internacionais sobre a presença de disruptores endócrinos em produtos direcionados a mulheres negras e reconhece que, no mercado angolano, “entra tudo e mais alguma coisa”. Daí a defesa insistente de rotinas simples, criteriosas e personalizadas. O seu kit essencial inclui champô adequado ao tipo de couro cabeludo, “sem sulfatos quando não há quadro inflamatório”, máscaras de hidratação e reconstrução, condicionador, creme de pentear e um óleo natural para selagem, distinguindo com rigor entre lubrificação e hidratação. Tónicos e outras fórmulas entram apenas quando o diagnóstico o justifica, nunca por modas digitais.
Nessa mesma linha de prudência, o entusiasmo pelas receitas caseiras merece contenção. A ideia de que “queremos ser cientistas em casa”, como ironiza, leva a aplicar alimentos diretamente no cabelo, sem que isso tenha efeitos reais na fibra. Para Dina, a prioridade continua a ser a saúde sistémica — alimentação, níveis de stress, descanso — porque “saúde capilar começa de dentro para fora”. O gesto mais eficaz, insiste, é a consistência.
“Saúde capilar começa de dentro para fora”
Dina Moreira

Centro de Tricologia da Jornada Capilar | DR
A aposta numa linha própria de produtos surge como resposta a essa necessidade de coerência. A Jornada trabalha em regime fechado, sem venda aberta ao público, para garantir que cada fórmula seja recomendada apenas após avaliação. “No processo de venda dos produtos, estamos a educar o público”, afirma, defendendo que o acesso controlado é uma forma de evitar expectativas irreais ou usos inadequados.
O modelo clínico reflete-se num protocolo em que a entrada pode ser feita por consulta de tricologia ou por avaliação inicial com terapeutas formadas pela própria casa. Segue-se um plano de 12 ou 24 sessões, acompanhado de reavaliações periódicas com lupa. Quando os objetivos são atingidos, o cliente transita para uma fase de manutenção — quinzenal ou mensal — e, mais tarde, para a autonomia em casa, mantendo apenas detox profissionais pontuais. Curiosamente, Dina esclarece que muitas pessoas preferem não abandonar a manutenção, valorizando a experiência e o ambiente de cuidado que encontram no espaço.
Parte desse fenómeno acontece também pela aceitação do cabelo natural, que, segundo a tricologista, tem evoluído de forma visível, sobretudo no período pandémico e no pós. O encerramento dos salões interrompeu rotinas de alisamento e abriu espaço para transições que, em muitos casos, se consolidaram. Outras pessoas regressaram às químicas e isso, defende, não precisa de carregar culpa. O essencial é a consciência. “Já temos menos dores de cabeça, graças a Deus”, resume, reconhecendo que o público chega hoje mais informado e mais disponível para compreender a raiz dos problemas.
Desde a sua fundação até agora, a Jornada Capilar cresceu para “seis espaços em três localizações”, além da sede administrativa, e agora prepara novos passos para fora de Luanda. O projeto Saúde Capilar Angola tem permitido testar o interesse noutras províncias através de workshops, consultoria e ações de sensibilização. Paralelamente, Dina mantém o Workshop Solidário “Meu Cabelo Saudável”, cuja quinta edição se aproxima e cuja política de entrada, em donativos, permite apoiar lares da capital. Na soma de exigências, expansão e responsabilidade social, Dina acredita que o caminho se faz com lucidez e equilíbrio: “O plano é continuar a expandir até onde a minha sanidade mental conseguir.”
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