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Quatro décadas depois de ter dado os primeiros passos na música, Justino Delgado prepara-se para um regresso aos palcos lisboetas. No próximo dia 9 de agosto, o artista guineense apresenta-se no Lisboa Ao Vivo com um espetáculo que assinala um momento-chave no percurso de uma figura que se tornou referência incontornável da cultura musical dos PALOP. Intitulado "O Regresso do Rei", o concerto surge como reconhecimento público de um legado que atravessou fronteiras e gerações.
“Esse título significa o reconhecimento das pessoas. De tudo o que fiz e continuo a fazer pela música e pela cultura da Guiné, mas também de África. É uma grande satisfação saber que pensaram neste nome para me homenagear. Sinto um orgulho imenso por me ver coroado desta forma”, partilhou o músico à BANTUMEN, visivelmente emocionado.
Com uma carreira internacional construída ao longo de vários anos e marcada por atuações nos quatro cantos do mundo, Justino encara este espetáculo com a entrega de sempre. Não o vê como um simples reencontro com o público, mas como mais um capítulo importante de um percurso coerente e apaixonado. “Este concerto é mais um marco naquilo que venho construindo. Vai trazer de volta momentos que marcaram a minha vida artística e reforçar a minha imagem e os meus trabalhos. Serve também para lembrar ao público aquilo que já deixei feito com amor.”
Justino Delagado e Rachide Incoté durante entrevista à BANTUMEN
Além de assinalar o reencontro de "Juju" com os palcos da capital, o concerto contará com a presença de vários artistas de referência, entre eles Binhan Quimor, WJ, Juka Pires e Titica, além de outros músicos vindos da Guiné-Bissau, Angola e São Tomé e Príncipe. Para o cantor, esta reunião revela uma vontade de aproximação que vai ganhando força no seio da comunidade artística africana. “Durante muito tempo fizemos coisas apenas para o nosso círculo, focados na Guiné-Bissau. Mas com o tempo, ao conviver com artistas cabo-verdianos, angolanos e outros irmãos africanos, percebi que temos muito a aprender uns com os outros. Esta festa é isso mesmo, um gesto de união. E essa união não deve acontecer só quando alguém parte. Enquanto estivermos presentes, temos de nos juntar e fazer pulsar esta energia comum.” Atento ao que se passa na Guiné-Bissau, não esconde que o espetáculo será também um espaço para reflexão. “Tem acontecido muita coisa no nosso país e não sou um cantor que canta só por cantar. Faço crítica social, falo do amor, das dificuldades, da condição humana. Neste concerto, vai haver um pouco de tudo, um regresso às raízes e àquilo que nos constitui.”
A capacidade de se manter relevante junto de diferentes gerações tem sido um dos pilares do seu percurso e é fruto de uma longevidade assente na forma como observa o mundo e transforma a experiência coletiva em matéria de criação. “Faço o meu trabalho com base em pesquisa, em observação. Falo do mundo, dos relacionamentos, daquilo que nos toca no dia a dia. E isso cria uma ponte com o público. Nós, músicos, somos pontos de ligação. Passamos mensagens que têm eco porque também sentimos como as outras pessoas sentem.” Foi essa escuta atenta e essa consciência social que o tornaram, para muitos, um símbolo da identidade musical da Guiné-Bissau, papel que reconhece e assume com responsabilidade. “Penso sempre que aquilo que crio está destinado a chegar ao público. A criação não é só minha, só ganha vida quando é partilhada em palco. Uma coisa completa a outra.”
Questionado sobre como conseguiu manter esse vínculo ao longo de tantos anos, o artista aponta para a coerência estética e emocional. “As minhas canções falam da sociedade, dos factos sejam eles reais ou imaginados. Depois, há elementos fundamentais: uma boa voz, arranjos bem pensados, melodias que tocam e, sobretudo, a capacidade de criar afeto com quem nos ouve. É isso que mantém o público atento e próximo.”
Justino Delgado
Ainda assim, nem tudo o que vê no panorama atual da música lhe inspira confiança, e para quem acompanha com atenção a nova geração de artistas guineenses, não esconde a preocupação com a diluição da identidade cultural apesar de ver “muita vontade, paixão genuína.” Reconhece que “estão à procura do seu caminho, mesmo sem experiência. Foi assim connosco também. Mas noto que poucos apostam na música nacional. Muitos preferem seguir modas internacionais à procura de fama fácil. Eu resisti a isso. Tentaram que mudasse o meu estilo, mas mantive a minha linha. E foi isso que me deu um lugar no mundo.”
A crítica estende-se, invariavelmente, aos atalhos oferecidos pela tecnologia e à forma como estes criam uma ideia fácil de sucesso. “Hoje em dia há batidas prontas na internet, já promovidas. Pegas num beat, gravas e ganhas alguma visibilidade”, afirma, deixando a ressalva que “isso não constrói identidade. Para chegar longe e realizar sonhos, é preciso esforço. É preciso sacrifício.”
Ao longo da conversa, Justino não evitou abordar também o contexto político da Guiné-Bissau e aponta que a instabilidade não é exclusiva do seu país, mas considera que os líderes africanos, em particular, precisam de abandonar a ideia de se perpetuar no poder. Na sua visão, devem ser capazes de reconhecer quando o seu ciclo chega ao fim e ceder espaço a novas lideranças, depois de concretizarem os seus objetivos. “Deviam saber sair quando o ciclo termina. O povo tem de ser ouvido, porque é ele quem manda. E os políticos precisam ter isso em mente.”
Sobre o que se segue depois deste grande concerto, o músico prefere guardar algum mistério. “Não gosto de anunciar tudo. Às vezes, é melhor surpreender. Mas posso dizer que estão a caminho novas músicas. Estou a gravar um disco entre a Costa do Marfim e a Guiné-Conacri, onde vive o meu produtor. Ainda não temos data fechada, mas o trabalho está em curso. Depois do concerto, ele vem a Lisboa para finalizarmos o álbum. Também estou a preparar novos videoclipes.”
E as surpresas não se ficam por aqui. Já no dia 29 de agosto, está previsto um novo momento especial. “Vamos ter o Yuri da Cunha e o Ari em Lisboa. Vamos atuar juntos no Armazém 18, em Odivelas. Vai ser uma grande festa da música.”
Antes de se despedir, Justino não resiste a deixar um convite ao público e a afirmar-se como artista plural: “Tenho só uma palavra mágica: venham ter comigo. A festa é de todos nós. Como disse um irmão angolano: Justino não é só da Guiné. É dos PALOP e do mundo”, conclui.
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