Dos Estados Unidos para Portugal, a AfroFlavors de Kamra Clemons é uma ponte cultural

25 de Novembro de 2024
Kamra Clemons afroflavors

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Kamra Clemons, ou simplesmente Kam, como é carinhosamente chamada pelos mais próximos, é uma influenciadora de viagens e empresária que inspira os millennials a explorar o mundo e a mergulhar nas riquezas de diferentes culturas. Durante o auge da pandemia de COVID-19, a afro-americana obteve o visto D7 e tornou-se residente em Portugal, onde vive desde 2021. Desde a sua chegada ao país, cofundou a organização "Black in Portugal", uma comunidade vibrante que conecta locais, imigrantes e viajantes, e criou a AfroFlavors, uma experiência única que, desde o final de 2024, nos une através de sabores, temperos e especiarias da cozinha afrodescendente em Lisboa.


Ao longo deste percurso, Kam conseguiu reunir comunidades numa busca mútua pela herança cultural da diáspora africana e além. Este percurso gastronómico não se limita apenas aos sabores; abraça também histórias de resiliência e de pan-africanismo que estão profundamente gravadas nas ruas de Lisboa, através de negócios locais de propriedade de pessoas negras. Quem se junta a esta experiência tem a oportunidade de explorar a culinária variada das nações PALOP, assim como do Brasil, saboreando a história a cada colherada.

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Com a sua visão audaz e o coração cheio de propósito, Kam explica à BANTUMEN que construiu uma ponte que celebra o passado e o presente, criando laços que ressoam com a riqueza da diversidade e a profundidade da memória coletiva. “Sou dos Estados Unidos. O que me trouxe a Lisboa foi a busca por uma cidade internacional. Antes, vivia num país muito homogéneo e queria mudar-me para um lugar onde encontrasse pessoas que se parecessem comigo. Cresci num ambiente muito internacional, e Lisboa parecia encaixar-se nisso. Além disso, fica mais perto dos EUA, o que facilita visitar a minha família quando necessário ou viajar pelos países vizinhos.”


Ao falar sobre a inspiração por trás da criação do AfroFlavors e o processo de conceber uma forma de dar destaque à cozinha afrodescendente em Lisboa, Kam deixa transparecer a sua paixão em cada palavra, com um sorriso iluminado. “A minha paixão pela comida!”, confessa, como quem partilha um segredo precioso. “Hoje em dia, todos dizem ser ‘foodies’, mas eu sou mesmo uma dessas pessoas que adora comer. Comer é uma alegria, um ritual. Quando viajo, descobrir os recantos locais para comer é essencial. Gosto de explorar a comida da diáspora: africana, caribenha, sul-americana, afro-americana, asiática... enfim, comida com alma, com história, com profundidade e sabor. É algo que me move."


Como quem se perde em memórias cheias de aromas e temperos, Kam prossegue: "Sempre que viajo, sinto aquela emoção. Ou faço uma tour gastronómica ou tento aprender a cozinhar as especialidades locais. A comida é como um mapa. É através dela que descobrimos as pessoas, as histórias e as raízes."


“O AfroFlavors nasceu do meu amor por comida e também porque muitos amigos e conhecidos que me visitavam em Lisboa perguntavam por recomendações. Tornou-se quase uma missão ser uma guia informal. Muitos dos restaurantes que agora faço questão de incluir nas minhas tours já os recomendava aos amigos que vinham. Por exemplo, o Mambo, com comida da África Ocidental, era uma sugestão frequente, assim como um restaurante moçambicano.
Com o tempo, pensei: por que não criar uma tour completa que celebrasse a herança africana, a cultura e a comida? Aqui em Lisboa não havia nada do género. Foi assim que nasceu a ideia.”


Enquanto contempla como estruturou a sua tour, Kam relembra o processo inicial com um olhar quase nostálgico. "Desde o início, sabia que queria criar esta tour, mas não fazia ideia de como começar", desabafa, como quem relembra uma longa jornada. "O grande desafio era o percurso, porque muitos dos restaurantes de proprietários negros estão espalhados por Lisboa. Precisava de algo que fosse prático e possível de fazer a pé. Pensei muito nisso, e a ideia começou a ganhar forma no início de 2023, mas só consegui estruturar melhor mais tarde. Inspirei-me no trabalho do Naky, com o African Lisbon Tour, que une história e vivência. Quis criar algo semelhante, mas focado na comida e na conexão entre as pessoas."


Kam fala com emoção sobre a missão por trás do projeto. "Quando as pessoas visitam Lisboa, concentram-se quase sempre no lado europeu da cidade, o que é compreensível. Mas poucos percebem a profundidade das raízes africanas aqui e a diversidade da comunidade negra. O AfroFlavors é uma forma de mostrar isso, enquanto apresento boa comida. É educação, sabor e cultura, tudo num só prato."


Quando a BANTUMEN pergunta sobre o que mais surpreende os participantes, Kam reflete por um momento antes de responder. "Acho que o que mais os surpreende é descobrir as semelhanças entre as várias cozinhas da diáspora africana. Por exemplo, a cozinha afro-brasileira e a afro-americana têm muito em comum, mais do que imaginam. A maioria dos participantes até agora tem sido dos EUA, e muitos chegam sem ter ideia de como a diáspora africana está presente em Lisboa. Além disso, há um comentário que ouço frequentemente: que, até participarem na tour, ainda não tinham provado comida verdadeiramente saborosa ou picante desde que chegaram à cidade." Kam ri, como se saboreasse as memórias de reações satisfeitas. "No final, muitos voltam aos restaurantes para repetir os pratos que adoraram. Isso cria uma ligação, não só com os sabores, mas também com as histórias por trás deles."


Em relação à escolha de restaurantes, Kam destaca que as escolhas não são ao acaso. "Escolho com base na comida que já experimentei e gostei. Alguns restaurantes estão no percurso porque conheço e confio na qualidade deles há anos. Outros, como um restaurante cabo-verdiano que encontrei por acaso enquanto caminhava pelo trajeto, foram descobertas recentes que encaixaram perfeitamente. É importante incluir diversidade: África Ocidental, Oriental, Brasil, Cabo Verde... Apesar de o Brasil não ser um país PALOP, há uma ligação profunda com África, sem esquecer que tem a maior população negra fora do continente."



“Mais do que provar comida, quero que as pessoas entendam as histórias por trás dos pratos”

Kamra Clemons

Kam reflete também sobre a importância de contextualizar a experiência para os participantes. "Faço questão de recolher histórias sobre os donos dos restaurantes: como chegaram a Portugal, quando abriram os seus negócios, como é que as suas influências culturais moldaram a comida que servem. Falo, por exemplo, sobre como a comida afro-brasileira tem fortes raízes na África Ocidental, ou sobre como Cabo Verde transformou ingredientes simples como feijão e milho em pratos únicos como a cachupa cabo-verdiana. Quando falamos da cozinha moçambicana, gosto de destacar as influências indianas. Mais do que provar comida, quero que as pessoas entendam as histórias por trás dos pratos."


As interações com os participantes são parte fundamental da experiência, diz Kam com entusiasmo. "Faço perguntas, como ‘Este prato lembra-vos algo da vossa cultura?’ Muitas vezes, especialmente com afro-americanos, encontramos paralelos entre pratos tradicionais do sul dos EUA e da diáspora africana. É mágico ver essas conexões acontecerem."


Quando questionada sobre o papel da comida na construção de compreensão cultural e comunidade, Kam não hesita. A comida tem um poder transformador. É através dela que nos aproximamos, que partilhamos momentos e criamos memórias. Mesmo com a estrutura da tour, quero que seja algo descontraído, divertido, mas educativo. Quero que as pessoas saiam a sentir-se conectadas, tanto à comida como às histórias. Na última tour, tive dois participantes jamaicanos, e foi incrível comparar as semelhanças e diferenças entre as comidas da diáspora. É fascinante perceber que, mesmo vindo de culturas diferentes, há tantos fios que nos ligam. A comida une, traz alegria e desperta curiosidade. É isso que quero oferecer."


Após nos deixar com bastante água na boca, Kam mostra-nos, sem dúvida, que, como imigrantes, muitas vezes recorremos à gastronomia portuguesa tradicional quando voltamos a Portugal. Quer seja um bitoque ou uma caldeirada, a realidade é que, como quase tudo na vida, também tomamos por garantidas as tradições e as histórias da culinária afrodescendente. Por isso, talvez devêssemos abrir as portas para novos sabores e apoiar negócios de proprietários negros. Negócios estes que, mesmo em momentos simples, oferecem aquele abraço caloroso que nos lembra de casa. No que toca ao futuro, Kam confirma confiantemente que planeia expandir o AfroFlavors. “Sem revelar tudo, gostaria de incluir workshops onde as pessoas aprendam a fazer pratos das culturas afrodescendentes, incluindo pratos caribenhos ou mesmo sulistas dos EUA. Imagino um ambiente mais descontraído, onde a comunidade em Lisboa possa reunir-se e partilhar experiências através da comida.”

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