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Durante décadas, o luxo foi medido por objetos, como carros de gama alta, roupas de marca, viagens exclusivas. Hoje, essa lógica está em mutação. Em 2025, o verdadeiro prestígio parece estar noutro lugar: no tempo que dedicamos a nós mesmos, na capacidade de equilibrar corpo e mente, e na disciplina de cuidar da saúde. Num mundo cada vez mais acelerado e ansioso, o bem-estar transformou-se em linguagem de status.
Os números confirmam a tendência. A economia global do bem-estar já movimenta mais de 6,3 biliões de dólares e, só na Europa, os ginásios e health clubs [clubes de saúde] geram 31 mil milhões de euros por ano. Em Angola, o mercado de health & wellness coaching [mentoria em saúde e bem-estar] cresce de forma acelerada: avaliado em 22,5 milhões de dólares em 2025, pode ultrapassar os 35 milhões até 2029, com uma penetração que deverá passar de 6% da população. Estes dados mostram que, entre aplicativos de fitness, planos de nutrição e práticas de meditação, cuidar da saúde deixou de ser apenas um hábito - tornou-se também um mercado global e uma narrativa aspiracional.
Mas para além das estatísticas e do mimetismo social, existe uma dimensão mais profunda e política: na diáspora negra, saúde e bem-estar são também formas de resistência e afirmação. Para perceber como essa transformação acontece na prática, a BANTUMEN ouviu cinco vozes negras que vivem em diferentes contextos (França, Noruega, Portugal e Angola) e que fazem do exercício físico uma ponte para o equilíbrio emocional e social.
“O digital glamorizou o fit, mas para mim exercício é movimento e consciência e o autocuidado só é possível quando há condições sociais para isso. Democratizar essa consciência é fundamental ”
Danilo Castro
Unsplash
Quando ficou desempregada, Andreia Brito Barros, 29 anos e supervisora num hotel em Île-de-France, (França) encontrou nos clubes de corrida de Paris uma forma de combater a ansiedade. “Foi das melhores coisas que fiz. Aquilo é um safe place [espaço seguro]. Estás rodeada de pessoas que querem apenas ter um bom momento, desafiar-se e ser quem realmente são, sem julgamento”, conta. Hoje, Andreia corre duas vezes por semana e vai ao ginásio com regularidade. Mais do que uma mente e corpo mais leves, descobriu uma rede de apoio e uma autoestima renovada. Para ela, investir em ténis, suplementos ou roupas de qualidade não é apenas consumo: “é um prazer duradouro que contribui para a saúde mental”.
Na Noruega, Yucânia da Cruz, 34 anos e engenheira geotécnica, transforma a corrida e o hiking (caminhada na natureza) em terapia ativa. Habituada a participar em ultratrails de 80 km, explica: “Se fico muito tempo sem correr ou sem estar na natureza, a minha cabeça não regula. A ansiedade dispara. Preciso alinhar o meu chakra na floresta, na montanha.” Para Yucânia, o bem-estar também se tornou numa pressão social na Escandinávia, onde “até parece mal não ver pessoas de fato de treino ao pequeno-almoço em hotéis”. Mas lembra: o verdadeiro prestígio não é o show-off [exibir-se] das marcas desportivas, e sim a estabilidade emocional conquistada no processo.
Também em Paris, Carla Manuel, 38 anos, formada em Línguas e especialista em marketing de moda, encontrou na corrida o seu escape diário. “Mesmo que não tenha sido produtiva, se treinei já sinto que atingi algo nesse dia.” Quando Carla completou os seus primeiros 10 km, recebeu elogios e orgulho da família - o que acaba por se transformar num reforço de motivação e autoestima. Mas Carla também sublinha como o bem-estar está ligado ao acesso social. “Em Luanda, percebi que só quem tinha bons seguros de saúde conseguia cuidados básicos. Em Paris, vi como a saúde física e mental estão interligadas.”
Unsplash
Em Lisboa, a cantora, atriz e influenciadora digital Vaniny Alves, 33 anos, encontrou no exercício físico uma forma de enfrentar problemas de retenção de líquidos, mas não só. “Para ser honesta, já não me revia na imagem ao espelho. Decidi mudar”, disse-nos.
O primeiro passo foi o CrossFit, que praticou durante cinco anos, antes de transitar para a musculação, que hoje integra a sua rotina diária, de segunda a domingo. “Passei por dois processos de emagrecimento. O primeiro foi em 2016, quando entrei no CrossFit. Perdi 17 kg. Depois veio a Covid, parei de treinar e voltei ao sedentarismo. Em novembro de 2024, decidi retomar com foco total. Fui a um nutricionista, reestruturei a alimentação e voltei a treinar com mais intensidade. Perdi 22 kg.”
Se o objetivo estava centrado no seu próprio bem-estar, a transformação não passou despercebida aos outros. “Levei com muito hate, especialmente no X (ex-Twitter). Mas também recebi muito carinho de quem me acompanha desde o início. Sempre fui muito ativa nas redes e partilhei todo o processo. No meu círculo mais próximo, afastei-me de algumas pessoas, fiz novas amizades (muitas delas também do meio fitness), e tudo certo. Quem tinha de ficar, ficou. A minha família? Sempre cinco estrelas. Sempre me apoiaram em todas as minhas decisões.”
Já em Lagos (Portugal), Eliana Silva, 38 anos e consultora de marketing e comunicação, concilia maternidade e carreira com treinos intensos de corrida, musculação e yoga. “Treinar diariamente é essencial. É o único momento do meu dia em que o foco sou eu”, afirma. Para Eliana, priorizar-se não é uma questão de egoísmo, muito pelo contrário é também consciência social e familiar: “Se nos colocarmos primeiro, estaremos mais aptos a cuidar dos nossos. E mostramos aos nossos filhos que cuidar de nós é também um valor.”
Foto Unsplash
Em Luanda (Angola), Danilo Castro, de 36 anos, empresário, escritor e produtor de conteúdos, vê no treino - musculação, pilates e padel - uma ferramenta de longevidade. “Exercício é o meu remédio. Quero viver sem dores e com energia para criar e participar na comunidade.” Além do autocuidado, manter uma rotina de exercício físico é também um ato político. “O digital glamorizou o fit, mas para mim exercício é movimento e consciência e o autocuidado só é possível quando há condições sociais para isso. Democratizar essa consciência é fundamental.”
Estes testemunhos mostram que o cuidado com a saúde ultrapassa a lógica do consumo e, ainda que marcas de fitness, ginásios e apps explorem esta tendência, para muitas pessoas negras o exercício físico vai muito além de apenas mais uma moda. É um espaço de resistência, autoestima e reinvenção da identidade.
Enquanto se acentua o desgaste face ao universo digital e ao ritmo ultrarrápido que ele impõe, emerge um novo conceito de luxo, que já não se mede por um relógio suíço ou por uma mala exclusiva. O novo luxo é invisível: está no fôlego depois de uma corrida, na mente serena após um treino e na autoestima reforçada diante do espelho. Cuidar de si é o novo símbolo de prestígio.
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