Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja
Pesquisa
Partilhar
X
Mónica de Miranda ocupa o centro da 13.ª edição da 1-54 Contemporary African Art Fair em Londres com a instalação Earthworks, uma obra monumental que transforma o pátio central da Somerset House num espaço vivo, coletivo e participativo. Reconhecida pela forma como combina memória, identidade, ecologia e pensamento decolonial, a artista luso-angolana afirma-se nesta edição não apenas como criadora convidada, mas como voz central de um programa que celebra a diversidade, a vitalidade e a força crítica da arte contemporânea africana e da sua diáspora.
Earthworks é apresentada como uma escultura social, um organismo em constante transformação feito de jardins verticais, estruturas cénicas e momentos performativos. A obra transcende o formato de instalação, constituindo-se como uma proposta de reconfiguração do espaço público, concebido não como cenário, mas como arquivo vivo e lugar de encontro. Inspirada no conceito de “comunidades terrestres” desenvolvido pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, a artista propõe uma reflexão sobre a interdependência entre seres humanos e não humanos, sobre o cuidado partilhado e a sobrevivência coletiva. Neste trabalho, o solo e as plantas deixam de ser matéria inerte e transformam-se em arquivos de resistência, capazes de conservar memórias, narrar histórias e projetar futuros possíveis. Comissionada pela Somerset House em parceria com a Calouste Gulbenkian Foundation (UK Branch) e apoiada pelo Hangar – Centro de Investigação Artística, pela MDM Props Ltd e pela Jahmek Contemporary Art, a obra prolonga a investigação de Miranda em torno de ecologias de pertença e do papel do território como espaço de memória e de identidade.
Desde a sua criação em 2013, a 1-54 consolidou-se como a mais importante plataforma internacional dedicada à arte contemporânea africana, com edições regulares em Londres, Marrakech e Nova Iorque. Somerset House, por sua vez, celebra em 2025 os 25 anos da sua transformação em centro cultural e comunitário, o que confere à intervenção da artista um peso acrescido: ao inscrever Earthworks no coração do edifício, a curadoria devolve ao público um espaço pensado para a experiência partilhada, em sintonia com o espírito da instituição e com a visão da feira de afirmar a arte africana no centro das conversas globais.
A prática de Mónica de Miranda tem sido marcada pela interrogação das memórias coloniais e pós-coloniais, pela atenção aos lugares marginais e pela construção de narrativas que se movem entre o pessoal e o coletivo. Nascida em Portugal, de ascendência angolana, a artista tem desenvolvido um percurso internacional sólido, juntando linguagens como a fotografia, a instalação, o vídeo e a escultura. Os seus projetos evocam tanto geografias atlânticas quanto experiências de deslocação e de pertença, questionando constantemente como a história e o território moldam identidades e comunidades.
A edição de 2025 da 1-54 integra mais de cinquenta galerias de treze países e reúne cerca de uma centena de artistas, entre nomes consagrados como Hassan Hajjaj, Ibrahim El Salahi e Seydou Keïta e jovens talentos emergentes como Zenaéca Singh e Afeez Onakoya. A Nigéria e a África do Sul surgem como polos fortes de representação, confirmando a vitalidade criativa de ambos os países e sublinhando o compromisso da feira em apresentar a pluralidade de práticas que constituem o panorama artístico africano. Para além de Earthworks, o programa de Projetos Especiais expande-se por múltiplas linguagens e geografias: a Everyday Lusaka Gallery revisita o legado do Fine Art Studios, primeiro estúdio fotográfico para clientes negros na Zâmbia; o coletivo Art Comes First apresenta The Sartorial Spirit of Punk Tailors, explorando a tensão entre tradição e rebelião através da fusão entre alfaiataria britânica e criatividade africana; os Seed Archives propõem uma instalação sensorial baseada em rituais da África Ocidental; e Kahlil Joseph expande o seu filme BLKNWS: Terms & Conditions numa instalação imersiva de imagem, som e texto.
No seio deste conjunto diverso de propostas, a obra de Mónica de Miranda destaca-se pela sua escala, pela sua ambição conceptual e pelo modo como sintetiza as grandes questões que atravessam a edição: a necessidade de pensar de forma decolonial, de reimaginar as relações entre memória, identidade e território e de devolver à arte o seu papel como espaço de encontro e de construção comunitária. Ao transformar o pátio de Somerset House num jardim coletivo e num arquivo vivo, Miranda não apenas cria uma instalação, mas propõe uma nova forma de habitar o espaço público, onde a arte deixa de ser objeto distante e se torna experiência partilhada, ritual de resistência e gesto de cuidado.
Num ano em que Somerset House assinala o seu aniversário como instituição cultural e a 1-54 reafirma o seu papel no panorama internacional, Earthworks surge como obra emblemática de uma feira que se tornou palco de vozes africanas e diaspóricas em diálogo com o mundo. Com esta intervenção, Mónica de Miranda inscreve-se no mapa das grandes criadoras contemporâneas, reafirmando o poder da arte em reconfigurar espaços, desafiar narrativas e propor futuros mais coletivos e sustentáveis.
Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.
Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.
Recomendações
Marcas por escrever
Contactos
BantuLoja