Koyo Kouoh, um percurso que moldou o pensamento artístico de uma geração

12 de Maio de 2025
Koyo Kouoh

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A arte contemporânea africana perdeu uma das suas vozes mais visionárias. No dia 10 de maio de 2025, Koyo Kouoh, diretora executiva e curadora-chefe do Zeitz MOCAA, na Cidade do Cabo (África do Sul), e curadora nomeada para a Bienal de Veneza de 2026, faleceu subitamente, deixando um vazio no mundo das artes. A notícia foi confirmada pelo próprio museu sul-africano, que nas redes sociais lamentou a perda da sua “bem-amada líder”, com palavras que ecoaram em várias instituições culturais internacionais. A Bienal de Veneza também reagiu, descrevendo o desaparecimento da curadora como “profundamente triste e chocante”.


Nascida em 1967 nos Camarões e criada na Suíça a partir dos 13 anos, Koyo Kouoh viveu entre geografias e identidades, o que lhe conferiu uma perspetiva singular e descolonial sobre os circuitos artísticos. Em criança, fugia dos trabalhos domésticos para ler e, mais tarde, na adolescência, enquanto as amigas iam aos centros comerciais ela ia a museus. A sua carreira começou num território pouco tradicional para as artes, estudou finanças, mas rapidamente o seu fascínio pela literatura, cinema e pensamento crítico a levaram à cultura como missão de vida.


Foi no Senegal, no final dos anos 1990, que Koyo se enraizou criativamente. Em Dakar, destacou-se como coordenadora cultural no Instituto de Gorée e tornou-se figura chave nas Rencontres africaines de la photographie de Bamako, no Mali. Participou também na Bienal de Dakar, antes de criar, em 2011, a Raw Material Company, um espaço independente para arte, pensamento e experimentação, que rapidamente se impôs como epicentro do pensamento crítico contemporâneo no continente.


Pioneira na curadoria e na liderança institucional

Koyo Kouoh © MARCO LONGARI / AFP

Koyo Kouoh foi a primeira mulher africana a ser nomeada curadora da Bienal de Veneza, cuja edição de 2026 teria a sua assinatura. O título e o tema da exposição estavam previstos para serem anunciados a 20 de maio, um momento que agora será marcado por um silêncio carregado de homenagem.


Mas foi também no Zeitz Museum of Contemporary Art Africa (MOCAA), onde assumiu a direção em 2019, que deixou uma das suas marcas mais profundas. Ao assumir a liderança do maior museu de arte contemporânea africana do continente, Kouoh iniciou uma reestruturação ética e curatorial que desafiou o eurocentrismo institucional, questionou a exclusão de narrativas periféricas e reposicionou a arte africana como centro e não como margem. "As nossas histórias foram tão atacadas, estão tão sob a pressão da trindade que é a escravidão, a colonização e o apartheid, que é preciso libertar-se. O imaginário africano é muito mais vasto do que isso", disse Koyo Kouoh numa entrevista à TV 5 Monde, em 2015.


Com uma abordagem interseccional, feminista e panafricana, Koyo dedicou-se à construção de espaços de pensamento e à restituição simbólica de um olhar africano sobre a arte. Era frequente dizer que, enquanto jovem africana no Ocidente, sentia-se como “uma espectadora numa peça onde não tinha papel”. Foi essa consciência, amadurecida nos seus 20 anos, que a levou a regressar ao continente e a dar início ao que se tornaria um legado inestimável.


Koyo Kouoh foi arquiteta de instituições e ideias, uma mediadora entre gerações e um farol para jovens artistas, especialmente mulheres africanas e da diáspora. Foi curadora de eventos de referência como a feira “1:54” de arte africana contemporânea, em Londres, e colaboradora da Documenta 12, na Alemanha. Mas talvez mais do que eventos, o que deixou foi um pensamento contínuo: uma forma de desafiar estruturas e abrir espaços.


A sua prática nunca foi sobre ocupar cargos, mas sobre transformar os lugares a partir de dentro, com radicalidade, afetividade e visão. Fez da arte uma linguagem política e do museu um território de disputa, mas também de pertença.


Num tempo em que os sistemas culturais ainda operam segundo lógicas coloniais, o trabalho de Koyo Kouoh representava muito além da curadoria: era um ato de resistência, imaginação e construção coletiva. A sua influência continuará certamente a moldar o futuro da arte africana, livre, crítica e em primeira pessoa.


O realizador e produtor camerounês Jean-Pierre Bekolo escreveu nas suas redes sociais uma longa reflexão sobre a perda de Koyo Kouoh e que, ao mesmo tempo, descreve a importância da curadora para o universo das artes contemporâneas. Entre as suas palavras, podemos ler: "Todos nós nos interrogamos neste momento. Procuramos compreender não apenas as causas físicas da morte, mas também as suas implicações espirituais, sociais e políticas. A morte de Koyo Kouoh empurra-nos para uma espécie de paranóia lúcida, que nos leva a suspeitar dos obstáculos sistémicos que travam a ascensão das vozes africanas nas esferas culturais internacionais. A morte de Koyo é sentida como uma tentativa de nos travar, a todos nós que pertencemos a esta linhagem, a esta geração que reconheceu a sua missão e decidiu cumpri-la. Por isso, temos de recusar esta morte. Porque esta morte mata-nos a todos. Koyo não vai morrer."

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