“Não São Águas Passadas”, a curta-metragem brasileira que confronta o apagamento histórico da escravidão em Portugal

12 de Outubro de 2025
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Imagens do filme "Não São Águas Passadas" | DR

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Filmado em Portugal e assinado pela cineasta paraense Viviane Rodrigues, em parceria com o produtor Bruno Constante, a curta-metragem Não São Águas Passadas lança um olhar crítico sobre a ausência de reconhecimento do papel português no tráfico transatlântico de pessoas escravizadas. A obra, produzida pela BR153 Filmes, integra o festival Revolução dos Curtas, disponível na plataforma Filmin.pt, e teve exibição gratuita no passado dia 28 de setembro, na Casa Capitão, em Lisboa.

Rodado em diferentes espaços urbanos e arquitetónicos ligados à presença africana, o filme percorre lugares que testemunharam séculos de exploração e silêncio. Entre praças, edifícios e ruas, a câmara revela tanto as marcas materiais deixadas pela escravidão como a ausência de referências históricas que as contextualizem. “Sempre fiquei impressionada com o facto de Portugal não assumir a triste responsabilidade que teve durante o que chamam de expansão marítima e nós, brasileiros, sabemos que se trata de colonização”, afirma Viviane Rodrigues. “O comércio de pessoas escravizadas é tratado como tabu, como se fosse apenas um ‘efeito colateral’ dessa expansão. Nem a sociedade nem os manuais escolares reconhecem essa tragédia histórica.”

A realizadora sublinha que o filme pretende provocar uma reflexão mais ampla sobre a forma como o passado é contado nas antigas potências coloniais. “Espero que o reconhecimento passe por uma educação diferente para as novas gerações e por possíveis reparações históricas. Só assim poderemos evitar que os horrores da escravidão se repitam sob novas formas de violência”, acrescenta.

Narrado por Naky Gaglo, guia turístico togolês e fundador da African Lisbon Tour, a curta propõe uma redescoberta da capital portuguesa através das marcas da diáspora africana. O trabalho de Gaglo, que conduz visitantes por percursos ligados à herança africana em Lisboa, dialoga diretamente com a proposta do filme. “Lisboa tem uma alma africana que raramente é reconhecida. Mostrar essa presença é uma forma de devolver dignidade à história”, observa o guia.

A presença da cantora e ativista Bia Ferreira, cuja música aborda temas como antirracismo, feminismo e diversidade, reforça o caráter contemporâneo do projeto. A artista define o seu estilo como Música de Mulher Preta (MMP) e, no filme, empresta voz e força poética a uma narrativa que alia arte, memória e resistência.

Produzido de forma independente, Não São Águas Passadas foi realizado sem apoio institucional. Viviane Rodrigues e o produtor Bruno Constante investiram recursos próprios e contaram com o envolvimento voluntário de uma equipa, escolha que, segundo a realizadora, foi intencional. “O cinema pode e deve ser instrumento de reflexão social. Convidar aliados antirracistas a colaborar voluntariamente foi um gesto político: o de construir em conjunto, com consciência e propósito”, explica.

A trilha sonora é assinada pela banda Metá Metá, formada por Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França. Ícone da cena independente brasileira da última década, o trio evoca a fusão entre as matrizes africanas e a identidade musical brasileira, reafirmando a herança comum entre os dois continentes.

“A escravidão não é uma página virada se não foi devidamente lida. A sociedade ainda persegue e mata corpos negros, e isso é consequência direta da falta de reflexão e reparação sobre o que a escravidão e a colonização trouxeram a muitos países”, conclui Rodrigues.

Em exibição até 18 de outubro no festival online Revolução dos Curtas, Não São Águas Passadas propõe uma viagem pela memória colonial, confrontando o passado e questionando as suas reverberações no presente. Entre vozes, imagens e sons, o filme constrói um espaço de escuta e reconhecimento, um convite a olhar o que foi escondido e a repensar o que ainda permanece por dizer.

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