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Neyma Alfredo nasceu em Maputo e é uma das mais destacadas artistas moçambicanas das últimas décadas. Tornou-se conhecida ao conquistar o segundo lugar no concurso televisivo 'Fantasia' em 1995 e lançou o seu primeiro álbum, "Brigas", em 1999. Álbuns como "Baila", "Renascer" e "Arromba" fazem parte do seu repertório musical e valeram-lhe a presença em alguns dos palcos do país e pela diáspora moçambicana, bem como distinções. Em 2013, venceu quatro categorias nos BCI Mozambique Music Awards - Melhor Música Ligeira, Melhor Artista Feminina, Música Mais Popular, Artista Mais Popular.
Durante uma curta passagem por Lisboa, a BANTUMEN teve oportunidade de falar com a cantora e apresentadora de TV, que nos falou sobre o seu percurso, mudanças na carreira, perspetivas sobre a cena musical e autocuidado. Com um percurso de mais de duas décadas, tem consciência da responsabilidade que vem com a fama e que qualquer passo em falso pode transformar-se em manchete. "As pessoas exigem mais e estão ali próximas, atentas para qualquer coisa que a pessoa faça", afirma. Sente que essa pressão se multiplica quando estendida às redes sociais: "estão sempre à espera que as pessoas tropecem para virarem notícia".
Para Neyma, ser figura pública implica autocensura e ponderação, e isso fá-la ver com mais clareza todos os passos que dá. Mais do que manter a imagem, a sua postura reflete a convicção de quem quer assumir um papel com impacto real na vida de quem a rodeia. Até 2019 foi embaixadora da UNICEF em Moçambique. "Tudo o que faço, antes mesmo de o fazer, tenho que pensar duas, três, quatro vezes, não pelas pessoas, mas por mim, e pelo legado que eu quero deixar ficar, principalmente para a minha família, e também pelos meus filhos”. Parte dessa responsabilidade estende-se à forma como pensou o seu percurso artístico e ao modo como podia contribuir para alterar a forma como a cultura africana é percebida no mundo.
Quando começou a cantar, Neyma já acreditava que a música africana teria projeção mundial. À sua maneira, preparou-se para isso. Passou por estilos como kizomba e marrabenta, experimentando diferentes caminhos, e tomou decisões estéticas, na altura consideradas arrojadas, como o uso da capulana: "Na altura achavam que eu era assim louquinha, mas hoje a capulana virou tendência mundial".
Essa antevisão foi acompanhada por uma atitude convicta. "Eu já tinha certeza que estaríamos neste estágio, e sempre foi a pensar nisso que criei e fui fazendo tudo à volta da minha trajetória". No entanto, apesar desse avanço, considera que falta ousadia a muitos artistas moçambicanos: "Temos que ser muito mais atrevidos". Não esconde que essa insegurança tem raízes históricas e culturais que urgem contrariar. "Continuamos na incerteza, inseguros, de que não somos capazes, mas nós somos capazes". Entre o potencial e o bloqueio, Neyma observa também a transformação das relações humanas e profissionais, especialmente dentro da indústria musical.
Admite que o ambiente musical em que deu os primeiros passos era diferente, mais aberto, mais solidário. "As pessoas eram mais proativas e um pouco mais empáticas". Confessa que chegou a acreditar que a pandemia pudesse reforçar o sentido de empatia, mas considera ter acontecido o contrário. "Pensei que as pessoas fossem ficar mais solidárias, mas percebi que ficaram com mais raiva, mais antipáticas".
Essa perceção levou-a a reformular os seus círculos: "Vale mais a pena estar com os de qualidade do que com os de quantidade". A seleção passou a ser mais rigorosa, tanto na vida pessoal como profissional. "No mundo da música também é exatamente assim, é triste dizer, mas é exatamente assim". Olhar para o passado e reconhecer as mudanças no presente acaba por alimentar uma reflexão mais pessoal, numa visão que dirige diretamente à sua versão mais jovem.
Se pudesse voltar atrás, Neyma daria um recado claro para si mesma: "Acorda, aproveita o momento, não sejas burra, Neyma". Um aviso direto para não desperdiçar as oportunidades e viver com intenção. "Aproveita cada momento que tu tens aí pela frente, porque eu consigo ver tudo o que tu tens pela frente".
É uma introspeção que marca a ponte entre passado e presente, mas também prepara o terreno para falar sobre aquilo que, ainda hoje, continua a inspirá-la enquanto artista. Ao longo da sua carreira, colaborou com vários artistas nacionais e internacionais, participando também em projetos culturais que promovem a música moçambicana além-fronteiras.
Neyma
A inspiração de Neyma nasce da observação quotidiana e da sua ligação à cultura africana: "O que me inspira é o dia-a-dia, é essencialmente a nossa cultura africana". E são os encontros com o público que lhe reforçam o sentido do que faz: "Uma angolana disse-me: 'Já não cantas?' Fiquei triste".
A passagem da música para a televisão foi um ponto de viragem na vida profissional de Neyma. O convite para apresentar o programa "Belas Manhãs", transmitido pela TV Miramar, e que co-apresenta com Vanessa Mahel e Eduardo Junior, surgiu como um desafio inesperado. "Foi-me feito o convite, não recusei porque eu sou pessoa de me autodesafiar, muito menos digo que não consigo fazer uma determinada coisa". O formato diário, de segunda a sexta-feira, passou a ocupar grande parte das suas manhãs e da sua energia criativa. "O programa é das nove às 12 horas. Quando eu saio, só quero chegar a casa, estar próxima da família, aproveitar os momentos e depois vem aquela preguicinha de ir ao estúdio".
Apesar de não ter deixado totalmente os palcos, a exigência da televisão afastou-a da regularidade musical a que estava habituada. "A televisão com certeza foi-me consumindo e foi fazendo com que eu deixasse os palcos para trás". Ainda assim, não perdeu o sentido de pertença à música: "O palco é o meu mundo, não tem como".
Além do repertório já conhecido pelo público, Neyma tem mantido inéditas várias músicas que resultaram de colaborações com outros artistas africanos. Muitas dessas faixas foram gravadas em estúdios fora de Moçambique, incluindo em Angola e na Nigéria, refletindo o seu envolvimento com a cena musical dentro e fora do cenário PALOP. Existem músicas gravadas em colaborações com Ary e Bruna Tatiana, mas Neyma ainda não as lançou. "Fico a pensar, vale a pena refazer, vale a pena lançar?". A pressão do público é real: "E aquela música, onde é que está?", mas não esconde a insegurança quanto à atualidade do seu registo vocal: "já não canto assim".
Parte dessa pausa deve-se à televisão, mas ainda assim, reafirma o seu lugar natural: "O palco é o meu mundo". A televisão pode tê-la afastado temporariamente da música, mas não apagou o desejo de regressar. É precisamente esse equilíbrio entre o que se é e o que ainda se quer ser que introduz o dilema seguinte: o peso do sucesso e a dificuldade em manter o ritmo criativo.
"Ganhei uma preguiça mental", admite. Estar todos os dias em televisão exige energia, mas reconhece a necessidade de voltar: "Tenho músicas muito bonitas para vocês, tenho que voltar à vida". Mais do que uma vontade pessoal, o desejo de regresso é também uma resposta ao que sente vindo do público. A ligação emocional com a música permanece intacta, ainda que o ritmo e o foco tenham mudado. É a partir desse ponto que Neyma se reencontra com uma outra dimensão da sua vida: o corpo, o tempo e a forma como aprendeu a cuidar de si ao longo dos anos.
Depois da gravidez da filha mais nova, corpo mudou: "Ganhei uma massa corporal fora do normal". A chegada da maternidade coincidiu com um momento de grande instabilidade global, marcado pela pandemia de Covid-19, o que dificultou ainda mais o regresso à sua rotina habitual de autocuidado. "Foi muito difícil voltar a readaptar-me à vida que eu tinha antes, que era de ginásio todos os dias, alimentação saudável todos os dias", confessou. O confinamento e a exigência emocional daquele período acabaram por levar a uma certa despreocupação.
Mas Neyma está pronta para recuperar os cuidados consigo: "Tudo que eu tiver que fazer para o meu bem-estar, eu farei". Valoriza o amor-próprio acima de qualquer padrão externo: "Eu escolhi ser feliz. E a minha felicidade começa comigo". Aos 46 anos, tem uma certeza: "para mim, não existe prioridade senão eu primeiro", visão que se reflete na forma como olha para o envelhecimento, não como uma perda, mas como um tempo de reafirmação e autonomia.
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