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Há histórias que nascem no silêncio dos bastidores, mas que precisam de palco para ecoar. É o caso de Queency Barbosa, ou Chantal Barbosa, para quem a conhece desde miúda. Nascida nos Estados Unidos e criada na cidade da Praia, Queency é o espelho de uma geração que recusa viver em caixas e que encontra na arte uma forma de existir por inteiro.
Desde cedo, a música foi presença constante na vida da artista. A sua ligação à família Barbosa - como Kaká Barbosa, poeta, contista, músico e ativista falecido em 2020, e Djinho Barbosa, compositor e instrumentista - garantiu-lhe um primeiro contacto com os palcos, ainda criança, no Palácio da Cultura. Escrevia poesias, encenava espetáculos caseiros, e aos 11 anos assumiu o nome Queency, inspirada pela admiração por Beyoncé. “Foi aí que me apaixonei pela arte da música e decidi que esse nome seria sempre uma lembrança daquela menina sonhadora”, contou-nos.
📸: Queency Barbosa fotografada por Eddie Pipocas/BANTUMEN
Depois de uma pausa para se dedicar à educação e à política nos Estados Unidos, Queency voltou ao mundo da música em 2020, impulsionada por um convite para participar num “camp” criativo. A intenção era apenas ajudar com letras e melodias, mas o reencontro com o microfone foi mais forte. “Senti que não podia continuar a separar a Chantal da Queency. Hoje, sou uma só. E ser artista também é parte do meu ativismo”.
A sonoridade de Queency é uma mistura ousada e emocional. Com raízes profundas no hip hop (que descobriu nos encontros de rua com amigos e consolidou através de documentários e estudo do género), a sua música também dialoga com os ritmos tradicionais de Cabo Verde, como a morna e o funaná. “O meu som é um melting pot, uma salada de frutas. Mas o centro é sempre a cultura cabo-verdiana. E o crioulo é a língua da minha arte, está presente em quase 100% das minhas letras”.
O seu primeiro EP, lançado em março deste ano, chama-se Vergonha na Cara. Nele, canta sobre desilusões amorosas, experiências pessoais e processos de cura emocional. “Foram momentos difíceis, mas transformei tudo em música. Escrever é terapêutico, e quero que outras pessoas se reconheçam nas minhas letras, que aprendam com os meus erros também”.
A estreia no palco do AME 2025 foi marcante: “Voltar à cidade da Praia, cantar na Rua Pedonal, com banda ao vivo, foi um sonho. Era importante mostrar quem é a Queency Barbosa, mostrar as minhas histórias, muitas delas que nem a minha família conhecia ainda”.
📸: Queency Barbosa durante a atuação no AME 2025, na cidade da Praia
Para além da música, Queency continua envolvida na política educativa em Boston, onde trabalha diretamente com a comunidade cabo-verdiana. No entanto, a tensão entre os seus compromissos profissionais e a sua paixão artística tem crescido. “Nos últimos anos, dediquei-me à comunidade. Agora é tempo de me dedicar a mim mesma. A arte também é política. A música dá voz a quem é ignorado. E eu não me vou calar, só preciso ser estratégica”.
O ambiente nos Estados Unidos, segundo a artista, tem-se tornado cada vez mais hostil. “O clima político está pesado. Há uma energia de opressão que mexe com a minha criatividade. Às vezes sinto que estou a encolher, como se não pudesse ser eu mesma, nem como educadora, nem como artista”, desabafa. O sentimento de autocensura imposta pelas responsabilidades institucionais tem sido um desafio constante. “Quem me conhece sabe que sempre fui vocal, sempre a criticar com intenção de construir. Mas hoje, pelo cargo que ocupo, sinto que preciso de medir cada palavra. É desconfortável, porque a minha essência é falar sem filtro, é provocar reflexão”, disse-nos.
Apesar disso, Queency recusa o silêncio. “Quero continuar a educar o povo com a minha música. Seja num palco, numa sala de aula ou num workshop. Só preciso garantir que a minha voz esteja a chegar às pessoas certas. Não quero só falar para as elites. Quero estar com o povo e educar, criar pontes, partilhar conhecimento”.
Essa dualidade entre o ativismo e a expressão artística tem sido difícil de conciliar, mas não é impossível. E, como ela própria diz, talvez esteja na hora de fazer um compromisso com ela mesma.
Queency Barbosa é uma artista em trânsito entre mundos, linguagens e responsabilidades. Mas se há algo que a move, é o desejo de representar as kriolas e transformar cada palco numa tribuna de verdade.
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