“A música africana toca-nos a todos. Crescemos com ela no corpo”, Rasta Dine

29 de Julho de 2025

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Entre Catió e Bissau, a quinta do avô e as salas improvisadas das competições escolares, a infância de Rasta Dine desenrolou-se entre ausências e reencontros, mas também entre referências culturais que o influenciaram desde cedo. A viver com o avô por razões de saúde, afastado da família durante algum tempo, regressou à capital guineense ainda em criança, onde passou a ter contacto mais direto com os rituais e tradições mandjakas. Foi nesse regresso que a música começou a ocupar um lugar cada vez mais presente no seu quotidiano. “Já desde pequeno que me levavam para concursos de playback. O meu primo escrevia letras, participava e dizia-me sempre que eu também tinha de ir”, conta.

Na Guiné-Bissau, esses concursos eram o centro da atenção juvenil e, como eram realizados em discotecas, escolas ou centros culturais, atraíam centenas de jovens de diferentes bairros. “Ele [primo] via qualquer coisa em mim. E eu também já sentia que a música me tocava. Chorava a ouvir Alpha Blondy ou Justino Delgado. Havia qualquer coisa que mexia comigo”, recorda acrescentando que nomes como Manecas Costa completavam essa banda sonora afetiva, cuja sonoridade, ritmo e entrega definiriam, mais tarde, o seu percurso artístico. Mas na altura ainda não se pensava em carreira. Havia apenas a certeza do gosto pela música.


A mudança para Portugal, onde a mãe já vivia, marcou uma nova etapa. O reencontro familiar fez-se acompanhado da pressão informal do bairro, onde os pares testavam o talento de quem dizia fazer música. “Quando cheguei, perguntavam sempre o que é que eu fazia. Eu dizia música. E eles diziam: ‘Então faz freestyle para vermos se é verdade’.” Foi assim que o improviso se tornou prática regular - na escola, nas ruas, entre amigos - e o rap, que já conhecia da vivência em Bissau, ganhou peso como linguagem de afirmação e de pertença.

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Rasta Dine entrevista

Rasta Dine em entrevista à BANTUMEN

Ao mudar-se para o Reino Unido para estudar Music Business no London College of Contemporary Music - instituição de referência na área -, Dine encontrou um ambiente mais propício à consolidação artística e essa entrada no circuito criativo londrino representou um momento de viragem, marcado por contacto e colaborações que se estenderam até aos dias de hoje. Começou a gravar com músicos da diáspora africana, em estúdios caseiros, de acesso partilhado, onde a troca de beats, vozes e técnicas fazia parte do processo. “Alguns perceberam logo que eu podia desenvolver-me mais. Foram eles que me apresentaram o Young Max, que hoje ainda produz as minhas músicas.”


A expressão “fase de irmandade”, que usa para descrever aquele momento, traduz não só um salto de qualidade, mas também a transformação da música num compromisso. Inicialmente encarregue apenas das masterizações, Max - também conhecido por YM e por colaborar com artistas como Apollo G - acabou por se tornar parceiro de produção. Ao fim de dois anos de trabalho informal, a relação ganhou outra dimensão e a experimentação passou a dar lugar a uma “fase em que já se sentia que havia ali matéria para crescer” e que era necessária “levar a sério.” Naquele momento, já não se tratava apenas de experimentar ou mostrar talento, era um processo de crescimento técnico, artístico e identitário, com continuidade. Também o trabalho visual nasceu desse núcleo e Vox Pro, responsável pelos videoclipes, é parte do mesmo círculo, tendo gravado o primeiro vídeo e seguido ao lado desde então.


A construção de um estilo próprio assentou em dois eixos: o reencontro com a matriz musical africana e a descoberta do seu timbre como marca autoral. “O meu timbre leva-me para o canto. Prefiro melodias a fazer só rap ou dread.” Mais voltado para a melodia, Dine acabou por afastar-se das formas mais rígidas do rap e encontrou na canção um terreno mais fértil, onde a combinação entre a matriz africana e a pulsão vocal se encontram num registo que não depende de modas nem se encaixa em fórmulas estanques e onde a fusão entre afrobeat e rap se foi impondo como resultado de uma escuta longínqua e de uma prática íntima.

Rasta Dine entrevista

Rasta Dine em entrevista à BANTUMEN

O afrobeat, na altura ainda longe do protagonismo global que viria a ganhar, fazia parte do seu vocabulário musical muito antes de se tornar tendência. “Só o Wizkid é que já estava a aparecer com força, com colaborações com o Drake. Mas para mim aquilo já era familiar. Já ouvia esse tipo de sonoridade, já escrevia nesse registo.” O fascínio além de estético, era também de identificação e resultado de uma matriz cultural assente na tradição do país que o viu nascer. “Justino Delgado já fazia aquilo. Manecas Costa também. Aquilo era afrobeat, mesmo que não lhe chamassem assim”, explica.


O olhar para o género não como produto, mas como património vivido, é central no seu discurso e o artista assume o que o fenómeno, entretanto global, não é uma tendência importada, mas uma realidade familiar. “Nós, africanos, quando ouvimos, reconhecemos logo. Não precisamos de muito para senti-la. Crescemos com isso no corpo.” Para o artista, o que se ouve hoje nas pistas de dança ou nas plataformas é a continuação de uma tradição que sempre existiu, embora com mais mistura, com mais produção, mas com o mesmo fundo rítmico e emocional. E é essa naturalidade que condiciona e confere autenticidade ao seu trabalho - que surge fora dos moldes pré-estabelecidos, mas que resulta de uma fusão orgânica entre passado, presente e voz.


Hoje, com uma formação sólida, uma equipa coesa e um percurso que cruzou várias geografias, Rasta Dine olha para trás com lucidez. E reconhece que a aprendizagem autodidata, o improviso em bairros e as sessões em estúdios domésticos foram parte de um processo que sempre teve a música como destino final. “Foi sempre por aí. Desde pequeno. Nem sei porquê, mas estava lá. Era inevitável”, conclui.

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