“Batuku é liberdade”, Taresa Fernandes e a sua ligação de mais duas décadas à tradição

16 de Junho de 2025

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O batuku é uma das expressões culturais mais emblemáticas de Cabo Verde. Com raízes na história colonial e no quotidiano das mulheres negras, esta prática percussiva, feita de tambor, canto e corpo, foi durante décadas marginalizada e até proibida. Ainda assim, resistiu e ao longo do tempo, tornou-se num poderoso veículo de memória, crítica social e afirmação coletiva. Hoje, continua a desempenhar um papel essencial na preservação das tradições orais, sendo também um espaço de resistência e transformação.


Neste universo, o grupo Tradison di Terra assume um papel central. Formado com o propósito de valorizar o batuku tradicional, o coletivo procura manter viva a ligação entre prática artística e função comunitária, com um enfoque claro na liderança feminina. O grupo tem levado o batuku a diferentes palcos internacionais, promovendo o encontro entre tradição e contemporaneidade, sem romper com as suas origens.


O crescente interesse pelo batuku também se tem refletido em espaços institucionais. Este ano, o género conquistou uma nova visibilidade ao ganhar a sua própria categoria nos Cabo Verde Music Awards (CVMA). Segundo a organização, a decisão de criar a categoria dedicada ao batuku foi impulsionada pelo aumento da produção musical neste estilo em 2024 e pelo número crescente de conteúdos e visualizações nas redes sociais.


É neste universo que se destaca Taresa Fernandes. Ligada ao batuku desde 2003, tornou-se uma das figuras mais representativas do Tradison di Terra. A origem do grupo foi, como conta, resultado de uma vontade partilhada: “o início foi uma ideia minha e de duas comadres, que me disseram para formar um grupo. Na altura perguntei se era para ir à procura de pessoas, encontrei, criámos o grupo e fomos trabalhando até chegarmos aqui.” Desde então, Taresa nunca mais parou.


Ao longo do tempo, a sua relação com o batuku foi-se aprofundando. Para Taresa, não se trata apenas de subir ao palco ou manter uma tradição, mas de ver - e viver - o batuku como uma prática de bem-estar e entreajuda. “Vejo o batuku como fisioterapia, como paz e harmonia. Considero-o solidariedade e liberdade.” Esta visão revela o papel que o batuku desempenha no apoio emocional e social dentro da comunidade.



Eddie Pipocas/BANTUMEN

A performance, nesse sentido, é mais do que entretenimento. E, quando sobe ao palco, a batucadeira fá-lo com um sentido de missão e pertença. “Quando estou no palco é como se estivesse no céu. Faço aquilo que gosto, que me faz sentir bem”. A dedicação levou-a a representar o batuku em diversos países, entre os quais França, Holanda, Luxemburgo, Portugal, Argélia, Dakar, Canárias, América e até ao arquipélago dos Açores. Apesar do percurso já trilhado, não esconde a vontade de levar o batuku a novos públicos e aponta Inglaterra, Suiça e Bélgica como sítios onde, futuramente, gostaria de levar a sua arte.


Reconhecido como património imaterial de Cabo Verde, o batuku tem-se destacado ao longo dos anos no cenário internacional. Eventos como a Madame X tour, da cantora pop Madonna, são exemplo e materialização dessa trajetória. Se inicialmente os jovens mostravam pouco interesse por esta tradição, hoje o cenário é diferente e Taresa sente esse reconhecimento na primeira pessoa. “Antes não ligavam muito. Mas agora vêm ter comigo e dizem que começaram a gostar por minha causa. Pensavam que o batuku era uma brincadeira”, diz e acrescenta que alguns jovens passaram a ver na sua arte uma forma de aprender e ouvir histórias.


Essa valorização da oralidade e da transmissão de conhecimento entre gerações é uma parte essencial do seu trabalho. Taresa destaca a importância de partilhar aquilo que aprendeu com outras mulheres, mesmo histórias que não viveu diretamente, mas que passou a carregar como suas para poder ensinar.


Depois de marcar presença em eventos como o Kriol Jazz Fest (2012) e passagens pelo Festival Cultural Panfricano (Argélia), em 2009, e Festival Mundial das Artes Negras (Dakar), em 2010, a participação no Atlantic Music Expo surge como mais uma oportunidade de ampliar o alcance da arte, numa experiência que une valorização cultural e troca. “É uma alegria muito grande. É o nosso intercâmbio com outras culturas. Fico contente”, conclui.

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