“Enquanto houver gatunos, vai haver piadas para gozar com os gatunos”, Tiago Costa

29 de Junho de 2025
Tiago Costa entrevista
Tiago Costa DR

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Entre os nomes que ajudaram a definir a comédia angolana contemporânea, Tiago Costa, também conhecido como T.C, é uma das figuras incontornáveis. Fundador da Goz’Aqui a primeira produtora focada exclusivamente em stand-up comedy em Angola, é hoje um nome com presença sólida no palco, mas também nas trincheiras do pensamento crítico. Com um humor que não se furta ao confronto com o poder e que desafia a apatia social, T.C ergueu-se como uma voz singular, um humorista que nunca se quis neutro.

Nascido em Lisboa, em 1985, Tiago cresceu entre Portugal e Angola, dividindo a adolescência e juventude por várias cidades portuguesas, Braga, Portalegre, Gaia e Porto. Estudou Direito na Universidade Católica do Porto e viria a especializar-se em Assessoria e Consultoria em Comunicação e Marketing na Escola de Jornalismo do Porto. “Fiz o quinto, o sexto e o sétimo ano em Braga, depois o oitavo e nono em Portalegre, o 11.º e 12.º em Gaia e o ensino superior no Porto. Vinha muito a Luanda, mas fiz muita vida em Portugal.”


Enquanto frequentava a universidade, começou a escrever para uma revista angolana. Os seus textos, publicados durante as eleições legislativas de 2008, evidenciaram a sua aptidão para a análise política e o comentário social. Participou ainda como assistente de produção na curta-metragem Alambamento, de Mário Bastos, e teve passagens pela área institucional, tendo trabalhado como assistente de comunicação na Embaixada dos Estados Unidos em Angola. Mas foi com a comédia que descobriu a linguagem onde tudo se alinha, voz, experiência, crítica e sensibilidade social.

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“Criei o Goz’Aqui porque não fazia sentido seis pessoas ocuparem o espaço de seis milhões”

Tiago Costa

O humor angolano do início da década de 2010 estava concentrado em poucos nomes. “A nível de popularidade, existiam seis elementos. Cinco eram os Tuneza, e o outro era o Calado Show. E na minha cabeça isso não fazia sentido. Só em Luanda havia seis milhões de pessoas. Não podia ser que todas gostassem só do que os Tuneza e o Calado faziam”.

Foi assim que nasceu, em 2012, a produtora Goz’Aqui, num misto de necessidade e convicção. “Precisávamos de alternativas. De diversidade. O Goz’Aqui surge precisamente para isso.” Desde então, a plataforma tornou-se numa referência na criação de conteúdos de humor, de espetáculos ao vivo a vídeos online, e um dos primeiros espaços públicos onde a crítica social e política foi assumida de forma frontal no humor angolano.

Ao contrário da maioria dos seus pares, T.C. não começou por tentar ser engraçado. Começou por querer dizer coisas. “A maior parte dos humoristas começa com a graça e, com o tempo, encontra a sua voz. Eu comecei com a voz. Sempre soube o que queria dizer. E fui encontrando a graça no processo.” Essa voz está alicerçada numa consciência social e política entendida, que o levou, desde cedo, a querer usar o palco como tribuna. “A mensagem sempre foi importante. Talvez mais importante do que a piada, no início. Hoje estão em equilíbrio. E se calhar, daqui a uns tempos, a piada passa à frente. Porque já disse muita coisa. Já estou cansado. Mas não consigo fazer comédia sem propósito.”

A lucidez com que observa a realidade não o impede de reconhecer os limites. “Sou livre até certo ponto. Faço auto-censura todos os dias porque os tribunais não são equilibrados. Há verdades que até são óbvias, mas não se podem dizer. E é cansativo.”

Cresceu com exemplos de resistência dentro de casa. “O meu pai era jornalista. Escreveu uma lista de materiais que estavam a ser desviados pelo Estado. Foi chamado a tribunal. Recusou-se a revelar a fonte. Foi condenado. Dormiu no calabouço. Teve pena suspensa. Pagou multa. E, anos depois, o próprio João Lourenço falou dos marimbondos, ou seja, confirmou que o meu pai estava certo. Mas o Estado nunca vai admitir que a justiça falhou. Porque a justiça nunca falha para o Estado.”

É com esse peso que sobe ao palco, mas também com urgência. “Eles podem prender-me por abuso de poder. Isso é tranquilo. Mas o problema é meu, da minha família. E tu tens de fazer ginástica para te manteres minimamente. Mas também não podes parar. Porque eles não param de roubar, então não, não dá para calar. Enquanto houver gatunos, vai haver piadas.”

Tiago Costa entrevista

Tiago Costa DR

“Eu não entrei nesse negócio pelo público. Entrei para poder expressar o que sentia”

Tiago Costa

Tiago Costa tem uma leitura muito clara da evolução da receção do humor político em Angola. “No tempo do Zé Eduardo, havia medo. As pessoas tinham uma percepção de que não podiam rir de si próprias. Quando ele saiu, e os próprios familiares começaram a ser visados, houve um alívio. Um desbloqueio. A sociedade ficou mais leve. Ri mais. Talvez sofra mais, mas ri mais.”

Apesar da visibilidade crescente, o humorista mantém os pés no chão quanto às motivações. “Eu não entrei nisso pelo público. Entrei para poder expressar o que sentia. E no processo percebi que havia gente que se identificava. Há um respeito mútuo entre mim e quem me segue. E isso vale mais do que números.”

Apesar de trabalhar também para vídeos, conteúdos digitais e formatos híbridos, o palco continua a ser o seu lugar de eleição. “A arte do stand-up ainda é das que mais exige público. O calor humano é essencial. Eu sou rato de palco, preciso de ensaiar, subir, cair, levantar. É como o Cristiano Ronaldo, no dia seguinte à Bola de Ouro, vai treinar. Zera o jogo e começa de novo.”

Numa comparação entre a sua geração e a nova geração de humoristas angolanos, Tiago entende que, na altura em que começou, o stand-up angolano fazia-se com poucos recursos, mas muita vontade. Hoje, o cenário mudou. “Felizmente, há muito mais condições para quem começa. Já temos espaços, material de apoio, livros. Só o Goz’Aqui tem, à vontade, uns 20 livros para ajudar no início de carreira.” Ainda assim, o humorista não deixa de notar que essa facilidade pode ter um efeito secundário: “Por terem mais condições, são menos ambiciosos. E isso faz com que não sejam tão bons individualmente.”

Depois de várias apresentações esporádicas em Portugal, o humorista regressa a Lisboa a 12 de setembro deste ano, para um espetáculo no Lisboa Comedy Club. “Já tinha atuado em Portugal antes, a primeira vez foi no Porto, em 2018. Mais tarde, fiz um workshop com o Hugo Sousa em Lisboa, que terminou com uma atuação. Fui voltando, sempre que dava. Em fevereiro fui só em visita e acabei a atuar noites seguidas no São Vicente.”

Foi essa receção inesperada que o levou a pensar o regresso com mais seriedade. “Percebi que há um mercado vasto, ativo. E que posso voltar, mas com estrutura. Agora vou com a intenção de trabalhar. Fazer dinheiro. Quem sabe pagar o bilhete da passagem (risos). Contatei o Lisboa Comedy Club e fechámos a data.” 

Sobre o público que espera, não tem certezas, mas tem fé. “Tenho amigos humoristas que lá vivem, tenho pessoal que me acompanha online, gente da diáspora. Falei com um angolano do Luxemburgo que disse que vai estar lá. Vai ser heterogéneo e é assim que gosto”.

Para lá de Portugal, Tiago tem ambições maiores para o setor da comédia. “Estou a reestruturar o Goz’Aqui para trabalhar mais a nível corporativo. E há conversas para levar humoristas a Portugal, ao Brasil. Ainda não temos um mercado sustentável, mas estamos a caminhar para isso. E ver que colegas com quem comecei hoje têm carreira dá-me esperança.”

Sobre prémios e distinções, como ter integrado a Power List BANTUMEN 100, em 2021, Tiago reconhece o valor da distinção, mas recusa qualquer glorificação. “É um bónus. Eu preciso de outras coisas. Preciso de água, luz, segurança, emprego. Os prémios são fixes, bonitos para a prateleira mas a realidade precisa de muito mais do que troféus. O continente é rico, e nós continuamos pobres. Isso é que me move.”

O humorista reforça também a importância de iniciativas que iluminam trajetos como o seu. “O mundo está montado para os pretos não terem visibilidade. E nós inventámos quase tudo. Qualquer coisa que nos dê espaço tem de ser celebrada. Não é sobre sermos os únicos. É sobre sermos muitos. Temos de ocupar muito”, finalizou.

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