Eduardo Quive e Israel Campos organizam “vozes do pós-independência” em Maputo

Os escritores e jornalistas Eduardo Quive (Moçambique) e Israel Campos (Angola) organizam a antologia Construir amanhã com barro de dentro - vozes do pós-independência, que será lançada a 27 de agosto, em Maputo. A obra reúne 19 contos de autores dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), num exercício literário que coincide com as celebrações dos 50 anos das independências.

A ideia nasceu em Aburi, no Gana, durante um programa de escrita criativa em que Quive e Campos representaram a dupla lusófona entre 20 jovens escritores africanos. Enquanto os restantes participantes, de língua inglesa, partilhavam inúmeras referências literárias comuns, os dois organizadores refletiram sobre a limitação das referências partilhadas entre escritores africanos de expressão portuguesa, muitas vezes restritas a três ou cinco nomes consagrados em Portugal ou distinguidos com o Prémio Camões.

“Há uma geração de escritores que começaram a publicar há 15 ou 20 anos, nascidos já em países independentes, que têm notoriedade nos seus contextos nacionais mas não passam disso”, observa Eduardo Quive.

A antologia propõe-se como uma ponte literária e cultural que representa uma língua comum falada por mais de 250 milhões de pessoas. Os textos dão voz a escritores nascidos no período pós-independência, marcados pela complexidade social e política dos seus países.

Entre os autores estão Amadu Dafé, Ailton Moreira, Alice Pessoa, Edson Incopté, Eileen Barbosa, Happy Taimo, Ivanick Lopanza, Janine Oliveira, Jessemusse Cacinda, Luana Cardoso Pereira, Marinho Pina, Maya Ângela Macuácua, Mélio Tinga, Oliver Quiteculo, Pedro Sequeira de Carvalho, Rosa Soares e Sérgio Fernandes, além dos próprios organizadores.

O livro conta com prefácio da escritora moçambicana Paulina Chiziane, primeira mulher africana a receber o Prémio Camões, e posfácio da investigadora Inocência Mata, professora na Universidade de Lisboa.

“Nestes textos, há mais choro do que dança. São textos de choro, denúncia e revolta. Mas, fiquemos claros: choro é dor ou saúde. Por vezes, birra, rebelião, revolução. Quem não chora não mama. É preciso gritar para desassossegar”, escreve Paulina Chiziane.

Já Inocência Mata sublinha: “A cada página, uma pergunta se insinua: que independência ainda falta conquistar? (...) Estes autores jovens escrevem a partir da experiência concreta, mas não deixam de encarar os precipícios do seu tempo. Não celebram, denunciam. Não proclamam verdades, sussurram dúvidas, expõem inquietações, revelam frustrações. E ainda assim, ou por isso mesmo, renovam o gesto inaugural dos poetas da Independência”.

Segundo os organizadores, a escolha de Maputo para o lançamento é simbólica e prática. Além de reforçar a prioridade de circulação da obra nos PALOP, Eduardo Quive é fundador da Catalogus, associação moçambicana dedicada à literatura e edição, o que facilitou a produção sem necessidade de aprovação de editoras externas.

“Construir amanhã com barro de dentro” reúne vozes que partem de África, vivem o continente e devolvem as suas narrativas ao mundo. “Essa é a força que este projeto tem: autores que colocam as narrativas do local para o global e de volta para dentro”, acrescenta Quive.

Eduardo Quive é escritor e jornalista, autor de A cor da tua sombra (2025), Mutiladas (2024) e Para onde foram os vivos (2022). Foi distinguido pela PowerLits BANTUMEN 100 em 2024 como uma das 100 personalidades negras mais influentes da lusofonia. É cofundador da Catalogus e colaborador da Fundação Fernando Leite Couto.

Israel Campos é jornalista e escritor angolano, vencedor da 2.ª edição do Prémio Literário Imprensa Nacional/Casa da Moeda (2024) e do Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro (2025). Em 2021 foi também reconhecido pela PowerList BANTUMEN 100. Colaborou com a BBC, Voice of America, Al Jazeera e Wall Street Journal. Em 2023 publicou o romance E o Céu Mudou de Cor e atualmente é doutorando em Media e Comunicação na University of Leeds.