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“Blu-Ray: Quid Pro Quo”. Tão nítido como no primeiro dia
“Blu-Ray: Quid Pro Quo”. Tão nítido como no primeiro dia
Damani Van Dunem está de regresso aos álbuns com o há muito aguardado “Blu-Ray: Quid Pro Quo”, um disco peculiar porque foi terminado em 2011. O que era para ser o segundo trabalho discográfico de Van Dunem foi sendo adiado e é publicado sete anos depois. Qual será a sua relevância visto que esteve na gaveta tanto tempo? A verdade é que Damani não desiludiu, mas felizmente também não surpreendeu. Tudo aquilo que gosto na música deste rapper encontro em “Blu-Ray: Quid Pro Quo”, mas mais refinado, com mais qualidade, mais que HD, blu ray. Para percebermos o “Blu-Ray: Quid Pro Quo”, que significa ‘tomar uma coisa por outra’, temos de conhecer melhor o seu trajeto. É o ultimo de uma trilogia, o primeiro foi “Mutatis Mutandis”, latim para ‘mudando o que deve ser mudado’ e a sequela “Statu Quo”, ‘no estado das coisas’.  “Mutatis Mutandis” foi editado enquanto o rapper vivia em Portugal e desse disco saiu o seu primeiro grande sucesso: a música “Papão”. Em 2011 Damani regressa a Angola e o “Blu-Ray: Quid Pro Quo” vai na bagagem, mas o rapper nunca o tirou da mala porque decidiu que queria apresentar-se ao movimento hip hop angolano com um outro trabalho, “Statu Quo”, que é disponibilizado nesse ano de forma gratuita.  Só em 2016 é que “Blu-Ray: Quid Pro Quo” volta entrar no radar, depois de ter sido relegado por mais dois projetos que Damani lançou, “Bhoas Festah EP” (2013) com os rappers Verbal, Keita Mayanda e Leonardo Wawuti, e o álbum “Muzumbo” (2015) com Verbal. Até que Damani decidiu que era a hora de conhecermos finalmente a obra de que ele foi falando durante estes anos todos. Para nos preparar para o que aí vinha deu-nos, em 2017, o “#BluRaySeasonEP”. Havia nele uma confiança quanto à relevância que o disco ainda teria, tanto na sonoridade como na mensagem.   Esta confiança fica bem patente depois de sabermos que foram muito poucas as alterações feitas a esta obra desde 2011, apenas umas misturas e uns coros.  Damani sabia o trabalho que tinha feito  — e apesar da evolução que o hip hop tem vivido — “Blu-Ray: Quid Pro Quo” é tão actual agora como foi em 2011, como será em 2035.  Blu Ray vive daquilo que os grandes álbuns de rap vivem: boas rimas e grandes instrumentais. Nesse sentido Damani Van Dunem faz-me lembrar um Common ou um Talib Kweli, o mínimo deles é sempre muito bom. Quando coloco o “Quid Pro Quo” nos meus headphones soa-me a rap, e não me interpretem mal, adoro todas as sonoridade do hip hop, adoro as vibes de tudo aquilo que eu considero o pós-modernismo de uma cultura que nunca parou de crescer e que sempre deu espaço para que novas gerações a reinterpretassem.  E quando por vezes perdemos (ganhamos) tempo a tentar perceber por que caminhos está a ir a cultura com que crescemos, quais os valores que ela ainda defende, sabe bem ouvir um disco como “Blu-Ray: Quid Pro Quo”. É bom perceber que para esta cultura o bom não tem idade, embora datado por causa das suas características, soa sempre a algo fresco.  Damz, como o MC também é conhecido, sempre teve muito talento para escolher os seus instrumentais, e em “Blu-Ray: Quid Pro Quo”  voltamos a ter beats com muito balanço, musicalidade em diversos estilos. No entanto, há nele uma nova camada sónica, há mais sintetizadores que dão um “cheirinho” mais pop, com influências dos anos 1980 e algumas vibes west coast aos estilo de Dr. Dre. Um grande exemplo dessa densidade synthwave com influências west coast são as faixas de abertura, “O Recomeço”,  “Renaissance”, “Pedaço do Céu”, “A Esperança Nunca Morre” ou “Em Frente”. Esses  temas remetem-nos diretamente a parte blu ray do nome do disco, quase podemos visualizar um filme a iniciar na TV. Apesar de plural a nível sónico todos os instrumentais têm no bounce uma característica comum. Damani trabalhou com os produtores de Ell Puto, Gringo, Elzo Senior, Rahiz, Cliché e Sigvh. A mesma diversidade também encontramos no conteúdo lírico, mantendo no entanto Damani a vertente de crítica social como uma das suas principais “armas”, algo que é transversal em todos seus trabalhos. Outro tema recorrente é o afrocentrismo, em que o rapper procura enaltecer o povo e a cultura do continente africano. A nível de vozes o álbum tem as participações de Ahzazel, Hot Blaze, Kloro, Chambx, Osman, Angela Graça, Rahiz e os SAMP. Faixa a faixa “O Recomeço”, tem um instrumental synthwave, fazendo em alguns momentos lembrar os  Daftpunk. Liricamente é uma ode ao africanismo e conta com a participação de Ahzazel. “Renaissance”, continua com uma forte presença de sintetizadores e traz um baixo com feeling westcoast. Com muito egotrip Damani assume o seu espírito competitivo. “Eu & Tu”, traz-nos o rapper a falar diretamente com os seus fãs. Um instrumental com feeling oldschool e muita party vibe. “Parte 1: Pedaço do Céu”, é um Rnb. Damani canta sobre um irmão que já partiu. Um tema curto e muito emotivo que nos deixa a querer mais. “O Bom Rebelde”, é uma ode a cultura hip hop. Damani fala das quatro vertentes desta cultura (MC, DJ, Bboy e writer) e descreve-as como tendo existido desde sempre. “A Esperança Nunca Morre”, o regresso do synthwave que casa com o tema blue-ray do disco. É uma faixa que faz uma crítica a sociedade centrada no lucro e na falsa religião, tem a participação no refrão de Hot Blaze. “Um Peso, Duas Medidas”, mais uma crítica social focada no racismo e na hipocrisia de quem repete os mesmos erros que tanto critica. Um instrumental com um ambiente mais negro que casa muito bem com o flow de Damani. “Da Life”, critica a maneira como idolatramos as estrelas e muitas vezes ignoramos as pessoas que nos rodeiam, volta contar com Ahzazel como convidado. Um instrumental carregado de melodias e um balanço que nos faz querer dançar. “Especial”, tem um beat smooth, um baixo incrível que faz a cama perfeita para letra que é um elogio à mulher negra e ao quão especial ela é. “Conectar”,  tem a participação de Kloro. Um beat que nos faz lembrar Pharrel Williams dos Neptunes, cheio de bounce e muito harmónico. Aqui os dois rappers falam do estado do rap em Angola e o Moçambique. “Em Frente”, é um Synthbeat com uma puxada pop do género de Justin Timberlake.  Tem uma letra que procura incentivar a continuar e acreditar nos nossos sonhos independentemente do que nos dizem, Hot Blaze volta a emprestar a sua voz no refrão. “Terra Do Nunca”, Damani rima sobre o peso de viver com o sobrenome Van Dunem.  Critica a forma a acelerada como vivemos enquanto devíamos procurar ser mais como Peter Pan. “Incondicional”, tem a participação de SAMP, num beat soulfull com varias camadas de sintetizadores. O rapper descreve o seu amor incondicional por Angola. “Parte 2: Anjos & Demónios”,  é um dos teus grandes momentos do disco. Um anjo resolve contar alguns dos grandes segredos da vida e para o final está guardada uma grande revelação. Um tema carregado de emoção.  “Lobbies”, aponta o dedo à imprensa que faz críticas aos álbuns de hip hop e aos lobbies que controlam o mercado da música angolana. Para o rapper que conta é a opinião dos fãs. Claro que podemos dizer que o blu-ray como tecnologia de definição de imagem está ultrapassado e hoje em dia já temos o 8K. Mas isso é perder de vista o contexto, seria como por exemplo ver o primeiro Star Wars e reclamar da qualidade da imagem e perder toda uma história, todas as personagens fantásticas e a inovação criada por aquele filme. Com este “Blu-Ray: Quid Pro Quo” não há muito a reclamar, podia talvez ao escutá-lo escrever que não tem as novas sonoridades do hip hop, que não tem as novas técnicas e patterns, novos flows e harmonias. Mas dizer isso seria perder de vista todo o liricismo, todo o conhecimento, toda positividade e bounce que este disco carrega.  E sim, respondendo a pergunta inicial, “Blu-Ray: Quid Pro Quo” será sempre relevante.

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