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Carta aberta ao Valete sobre pirosos e vendidos

Valete. Será que há alguma geração que passa ao lado do que este nome representa para o hip hop em português? O rapper acordou da inconsciência, 11 anos depois, como o MC bombeiro com vontade de apagar esse incêndio catastrófico que está a destruir o rap tuga.

As rimas de “Rap Consciente” finalmente chegaram, num rasgo de herói que acordou do coma e encontrou o mundo em completa decadência, e em apenas sete dias o vídeo foi visto mais de um milhão de vezes só no YouTube. O número demostra o afecto e respeito do público pela sabedoria lírica de Valete e a saudade de 11 anos de ausência. Mas, há um mas. Seria mais fácil se nós, que curtimos de ti Valete e dos pirosos que terminam os vídeos com beijinhos nas meninas, fôssemos esclarecidos sobre quem está a exagerar nas brisas de primavera.

Nós curtimos de rap com tomates, certo. Mas mano, daquele que não precisa de manual de instruções. Quem são afinal os pirosos do caralho?

Já sabemos que, ao contrário do que se anda a especular em Angola, não é nem o Prodígio, segundo o que diz a Platinaline (só não conseguimos perceber de que forma foi dada essa informação) e também não é o Piruka visto que, numa entrevista à Blitz, o próprio rapper esclareceu: “Para mim o Piruka representa tudo o que queremos desta cultura. (…) Fala em altruísmo, em usar o dinheiro que faz para ajudar a família, fala sempre na sua vida antiga de crime como algo de que não se orgulha, não glorifica nada disso. Nada disso é atacável. Precisamos é de mais Pirukas.”

Sei que isto parece um ataque ao teu regresso mas não é. É apenas um lamentar de um puto que, noutra altura, com 15 anos cantava de trás para frente “Serviço Público”. Sim, metade da minha geração tinha-te como principal ídolo, tu o MC Bombeiro.

Percebo perfeitamente o que aconteceu na tua vida pessoal e que originou o teu silêncio prolongado. Sempre fui fiel à tua música e ouvi o teu álbum durante mais de quatro anos. A partir de 2010, sem mais de ti, fomos obrigados a variar e acabámos por ser invadidos com cinco mixtapes do NGA (Impakto 4, 5 e 5.5) e Mais Quente Que Fogo. Feliz ou infelizmente, o cenário do rap mundial foi mudando e a isso preferimos chamar evolução. Criaram-se novos ritmos, novas realidades aliadas ao rápido consumo e à geração alienada pelas redes sociais. Mas isso elimina o mérito das milhões de visualizações? E a kizomba? O que tem a kizomba e os kizombeiros? Têm menos mérito que os rappers e o hip hop? Quem recriminou o hip hop aliado ao rn’b dos anos ’90? O hip hop não deixa de ser hip hop porque se criam novas sonoridades, novas realidades ou novas alianças fonéticas. Todas as artes têm o seu próprio processo evolutivo, goste-se ou não. Sobre este assunto, o Loreta fez uma pequena exposição que deverias perder alguns minutos a ler.

Sim, as pessoas esquecem-se de fazer snaps sobre a guerra entre o ocidente e o jihadismo, mas continuaram a comprar ingressos durante 11 anos para ouvirem ao vivo os teus clássicos como “Roleta Russa, “Anti- Herói” ou “Masturbação Mental”. Porém, hoje também curtimos de Holly Hood, Bispo, Kappa J, e Mota Junior (que mostrou que não existe diferenças no rap tuga independente de ser cantado em crioulo ou em português), entre outros. Hoje já não existe a elite do rap formada pelos mesmos do início do milénio. As coisas mudaram, há uma exigência maior na batida por trás das rimas, o que acabou por remeter a letra um pouco para segundo plano, é um facto. Contudo, essas exigências mundanas não existiram no teu regresso com “Rap Consciente” e, por isso mesmo, o videoclipe, que está muito bom – diga-se de passagem -, tem mais de um milhão de visualizações em tão poucos dias.  Não podias ser melhor recebido.

Mas, não vamos esperar nem mais seis meses por novidades tuas. Não queremos que apontes o dedo aos pirosos ou às pitas, eles também te ouvem. Se tivesses cá andado nos últimos 11 anos, talvez tivéssemos actualmente mais rappers conscientes como tu e não tanto rappers de rimas de ostentação e materialismo.

 

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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