Entre o sonho e a realidade, a Guiné-Bissau que Cabral deixou

September 12, 2025
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Todos os anos, após 12 de setembro, a Guiné-Bissau celebra o nascimento de Amílcar Cabral, pai da nação. E, enquanto em várias partes do mundo se celebram conferências, colóquios e homenagens, em Bissau a realidade mostra outra face do legado do líder da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. 


Amílcar Cabral não foi apenas o comandante de uma guerra de libertação, foi um pensador político, um intelectual de dimensões africanas e universais. Defendeu a independência não apenas como ato político, mas também como condição de dignidade para o povo. Para o político, liberdade significava justiça social, educação, trabalho, igualdade e soberania popular.


Cinquenta e dois anos após a sua morte, continua a ser evocado como um dos grandes líderes africanos do século XX. No entanto, para muitos guineenses, a realidade atual está muito distante da pátria que ele projetou. A BANTUMEN saiu às ruas da capital guineense para ouvir jovens e mulheres sobre o país que Cabral sonhou e o país que hoje enfrentam.


Na cidade de Bissau, o nome do líder é cantado mais uma vez e o seu rosto permanece como emblema, mas para jovens como Jean Pedreira, de 27 anos e licenciado em Logística, a distância entre o ideal e a realidade vivida é evidente. “Estudei fora do país, porque até a Universidade Amilcar Cabral enfrenta dificuldades em formar jovens, acreditei que se voltasse teria vida melhor. Mas aqui estou, desempregado, sem perspectivas. Cabral queria uma Guiné justa, com oportunidades para todos, mas os líderes de hoje transformaram o Estado em fundo pessoal", lamentou o jovem.


Do outro lado, ouve-se também Maria Djau, que critica o estado da escola guineense. “Cabral dizia que a educação era uma arma poderosa. Hoje, os professores estão desmotivados e saindo do país, as escolas sem condições e os jovens sem esperança. A visão de futuro que ele tinha foi trocada por pequenos interesses políticos.


Para muitos jovens que se formaram mas, não conseguem emprego por falta de oportunidades e políticas de emprego jovens e outros que terminaram escolas secundárias, porém a formação sai cara e sair do país torna-se único forma viável para melhoria de condições, “os dirigentes não ambicionam mudar o país, só pensam em satisfazer o próprio bolso. Cabral, se estivesse vivo, estaria em luto por esta Guiné-Bissau.


Nos mercados, mulheres que dependem da venda para garantir o sustento das famílias também partilham a frustração. “Cabral queria dignidade para o povo, mas até hoje vendemos no meio do lixo, sem condições. Os governantes não lembram de nós, só lembram do bolso deles”, conta Fátima, vendedora de legumes. Com 61 anos, recorda que a liberdade pela qual Cabral lutou deveria significar vida justa para todos: “O sonho de Cabral era que nós, guineenses, tivéssemos uma vida digna. Mas até dar de comer aos filhos é uma batalha. Isso não é liberdade de verdade.”


Enquanto fora do país Cabral é celebrado como símbolo da luta anticolonial, dentro da Guiné-Bissau a sua memória convive com instabilidade política, corrupção e falta de oportunidades. Para a juventude guineense, ele representa um ideal que se esvaiu nas mãos das gerações seguintes. Nas ruas de Bissau, entre jovens formados sem emprego e mulheres que sustentam o país nos mercados, a sensação é de que o projeto de nação foi adiado ou mesmo traído.


Se o mundo recorda Cabral como estratega militar, pensador político e símbolo de libertação, muitos guineenses perguntam aos lideres: que sentido tem celebrar o passado quando o presente está tão distante daquele sonho?


Entre a celebração internacional e a frustração nacional, o povo guineense pede que os líderes de hoje façam o que devem, para que a pátria pela qual Cabral deu a vida finalmente se concretize.

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