"Arquivo Morto": entre a memória e o esquecimento da guerra civil moçambicana

June 2, 2025
Arquivo Morto guerra civil moçambicana

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O romance Arquivo Morto, de Eusébio Sanjane, tem lançamento previsto para o segundo semestre de 2025 e propõe uma reflexão profunda sobre a guerra civil moçambicana e os seus efeitos persistentes na memória colectiva. A obra, escrita ao longo de quatro anos, insere-se no cruzamento entre literatura, história e espiritualidade, abordando temas como o luto, a transmissão intergeracional da memória e os limites entre o visível e o invisível.


A narrativa acompanha Alberto Mucondo, um jovem cientista moçambicano regressado à sua aldeia natal, nas colinas de Manica, após vários anos de ausência. A morte do avô, Álvaro Mucondo, ex-combatente e curandeiro, desencadeia uma série de descobertas. Entre cadernos, cartas, gravações e objetos deixados pelo avô, Alberto vê-se envolvido numa investigação pessoal que o leva a questionar não apenas o seu passado familiar, mas também as versões oficiais da história do país.


Situado entre o realismo mágico e o romance histórico, Arquivo Morto apresenta-se como um mosaico de fragmentos de memória. O passado emerge através de documentos perdidos, testemunhos incompletos e silêncios prolongados. A linha entre a razão científica e o saber ancestral vai-se esbatendo à medida que o protagonista mergulha nos vestígios de uma guerra que deixou marcas visíveis e invisíveis na sociedade moçambicana.


Com formação em Ciência Política e Museologia, Sanjane constrói uma narrativa que evita simplificações. O autor mobiliza elementos do realismo mágico para retratar o entrelaçar de mundos; o político e o espiritual, o histórico e o íntimo. A guerra civil (1977–1992), combatida entre a FRELIMO e a RENAMO, surge no livro não apenas como um evento cronológico, mas como uma presença que se prolonga no tempo e na vida das personagens.


A obra articula diferentes dimensões, social, emocional e simbólica, para explorar as formas como a violência e o trauma se inscrevem no corpo e na paisagem. A casa do avô, a aldeia, o rio Zembe e outros espaços narrativos funcionam como arquivos vivos, onde o tempo não é linear e os mortos continuam a exercer influência.


Arquivo Morto pode ser lido como um exercício literário de escuta. Ao dar voz aos que ficaram fora dos registos oficiais, Sanjane coloca em primeiro plano os dilemas da reconstrução da memória nacional, num país ainda marcado pelas consequências da guerra e por desigualdades no acesso à narrativa histórica, através de um romance que interroga o que permanece por contar, o que foi silenciado e o que resiste, sob a forma de documentos, objetos ou silêncios, à passagem do tempo.

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