Beleza que paga contas: a economia invisível das mulheres negras

October 29, 2025
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O empreendedorismo feminino em Portugal tem várias camadas. Se por um lado, há cada vez mais mulheres a empreender - estudos recentes colocam Portugal em 6.º lugar mundial, ultrapassando países como Espanha e Itália - por outro, persistem os desafios relacionadas com financiamento que condicionam, ainda que indiretamente, o crescimento e expansão dos negócios.

Na prática, as mulheres tendem a apresentar altos níveis de escolaridade, em muitos casos superior aos homens, e presença forte em questões de liderança. O cenário nacional é favorável, apresentando um futuro promissor e crescente, em parte, alavancado por programas de capacitação e redes de apoio, criados com o objetivo de mitigar os obstáculos ao desenvolvimento. Mas onde cabem as empreendedoras negras neste cenário?

O relatório Afropreneurs, divulgado em 2022, dá-nos conta da realidade do afroempreendedorismo em Portugal e destaca o papel das mulheres na área, onde a predominância contrasta com as estatísticas nacionais e europeias sobre empreendedorismo feminino. De acordo com o estudo, mais de metade das afroempreendedoras (76%) possuem habilitações de nível superior, uma parte considerável (67%) fala mais de um idioma e deste universo, apenas 11% têm acesso a programas de aceleração e desenvolvimento.

Num setor caraterizado pela diversidade de contextos e motivações, a principal razão pela qual uma mulher negra decide criar um negócio é, na maior parte das vezes, a necessidade de ter uma renda extra para acrescentar a um emprego formal, ou ser financeiramente independente - 98%, segundo o relatório. É neste ponto que o setor da beleza e bem-estar ganha destaque, acabando por tornar-se uma das áreas a que mais rapidamente associamos o empreendedorismo feminino negro.

Ainda que não existam dados exatos sobre quantos negócios formais existem, estima-se que a maioria sejam micro e pequenas empresas. Na área dos “tratamentos de beleza” há mais de 15.000 empresas classificadas como micro em todo o país, independentemente da nacionalidade da empreendedora.

No que diz respeito a mulheres negras, a realidade mostra muitas vezes que empreender resulta daquelas que são as lacunas nos produtos adaptados para os seus tipos de pele, cabelos ou estilo no mercado português. E embora esta análise seja empírica há um olhar cada vez mais crítico tanto do lado de que consome como de quem desenvolve negócios na área da beleza. Do lado de consome, a exigência é cada vez maior mas há também uma expectativa mais baixa na hora de consumir produtos de outros empreendedores negros.

Por outro lado, da perspectiva de quem desenvolve o negócio, há uma preocupação, cada vez maior em criar modelos empresariais que respondam às exigência do mercado, capazes de servir todos os clientes e não apenas um público segmentado.

No caso de Anna Sousa, empresária moçambicana, a aposta foi num modelo diferenciador no mercado da beleza, que agregasse valor para o cliente e que fosse além de fazer as unhas. ‘A Executive Nails surge pela minha paixão pelas unhas e pela dor que tive um dia pois fui roedora de unhas e ficava sempre fascinada pela unhas que trazem beleza das mãos. No mercado trouxe um standard diferencial, empregos para várias famílias e inspiração para toda mulher que tem sonhos e vocação no empreendedorismo’, partilha a empreendedora.

Mais a sul do país, no Algarve, a guineese Joela Alves inspirou-se na herança familiar para fazer dela um negócio: ‘Temos que fazer o que é necessário para que possamos crescer como empresa. Faço tranças, tiro fotos, cuido das minhas redes sociais, faço marcações, entre outros. Cada uma destas funções vão somando para que possamos ser referência na nossa área. Quando temos paixão pelo nosso trabalho, mesmo tendo que lidar com a parte chata, não nos afeta tanto’, partilha a jovem empreendedora.

Depois de ter sido mãe, Joela abriu um salão de beleza onde sente que honra as suas raízes: ‘Há dias em que temos que lidar com clientes que têm problemas pessoais e às vezes acabam por descarregar em nós, também existem momentos em temos que dar suporte e servir de psicóloga. Penso que a parte mais difícil é lidar com as pessoas e ter que dar os preços do nosso trabalho. Atualmente, um dos grandes desafios ao gerir o seu trabalho é criar um negócio rentável, onde pratique preços justos, e ainda ter consciência do poder de compra das suas clientes.

Foi com a mesma premissa que nasceu o Criola More Than Beauty: da vontade de

resgatar a ligação entre identidade, ancestralidade e autocuidado.’Durante muito tempo, a beleza negra foi colocada à margem ou moldada por padrões que não nos representavam. Eu senti necessidade de criar um espaço onde o cabelo afro e crespo fosse visto e tratado como um símbolo de poder e não como um problema a resolver’, conta-nos Suh Varela, a fundadora.

Preocupada com o serviço que entrega, a empreendedora cabo-verdiana pretende oferecer serviços de cuidado capilar onde “cada atendimento é um momento de reconexão. Não se trata apenas de tratar o couro cabeludo ou o fio, mas de criar um espaço seguro onde cada pessoa possa voltar a sentir orgulho da sua raiz. Através da terapia capilar, ensino sobre saúde, mas também sobre simbologia — o cabelo como extensão da energia vital e canal de expressão da identidade. A Criola atua como um elo entre o cuidado físico e o espiritual, ajudando a comunidade afro a ressignificar o autocuidado como um ato de amor e resistência”, esclarece.

De Anna a Suh Varela, ambas as empreendedoras revelam o outro lado do empreendedorismo: aquele que acontece à margem de programas de aceleração e de redes de financiamento, mas onde, ainda assim, o digital e o networking assumem especial relevância. A panóplia de serviços, dentro do setor de beleza, é cada vez maior e, partindo da oferta da excelência, os negócios que surgiram, nos últimos anos, tendem a ser mais sustentáveis e mais estruturados, numa lógica proporcionalmente direta à exigência de quem escolhe.

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