Bijagós: quando a Terra fala, o mundo ouve

June 10, 2025
bijagos unesco opiniao golfario
📸 Kéré Ecolodge, Ilhéu de Kéré, Arquipélago dos Bijagós | DR

Partilhar

A recomendação da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) para a inscrição do Ecossistema Marinho e Costeiro do Arquipélago dos Bijagós como Património Natural Mundial da UNESCO é mais do que um gesto simbólico. É um marco no reconhecimento internacional da Guiné-Bissau enquanto guardiã de um território de valor ecológico excepcional. Um passo histórico que nos obriga a refletir, com seriedade, sobre o que isso representa e o que exige de nós daqui para frente.

Este reconhecimento não surge do acaso, nem é mérito isolado de uma entidade ou ator. É, sobretudo, resultado de um esforço coletivo e contínuo que inclui o protagonismo do povo Bijagó, com os seus saberes ancestrais e práticas de uso sustentável da terra e do mar, mas também o trabalho técnico e institucional de vários setores do Estado guineense que, mesmo entre limitações orçamentais, tem mantido vivo um compromisso com a conservação ambiental.

Instituições como o Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP), a Direção-Geral do Ambiente e a Comissão Nacional da UNESCO, em parceria com ONGs nacionais e internacionais, universidades e comunidades locais, têm sido peças-chave para a construção deste percurso. O Estado, enquanto parte formal da candidatura, mostrou maturidade diplomática e visão estratégica ao apoiar um processo baseado na participação, na ciência e na valorização das culturas locais.

A UICN não poupou elogios à abordagem comunitária e ao modelo de gestão partilhada que se pratica no arquipélago dos Bijagós. E com razão. Numa era marcada por falsas soluções de conservação que excluem povos e territórios, a Guiné-Bissau apresenta ao mundo um exemplo raro de harmonia entre natureza, cultura e política pública.

Contudo, o reconhecimento internacional, por mais honroso que seja, não nos pode levar à autocomplacência. É urgente consolidar o que já foi feito e, mais ainda, fortalecer as capacidades nacionais para responder aos desafios que virão com a eventual inscrição dos Bijagós como Património Mundial. Falo de investimento público sustentável, presença institucional qualificada no terreno, políticas interministeriais integradas e uma vigilância ativa contra qualquer tentativa de mercantilização do território.

O perigo da monumentalização simbólica, isto é, celebrar a distinção sem garantir melhorias concretas para as comunidades locais, é real. Da mesma forma, é preciso evitar o turismo predatório, que frequentemente entra pelos bastidores do património natural com promessas de desenvolvimento rápido, mas que termina por corroer as bases culturais e ecológicas do lugar.


O povo Bijagó não espera troféus. Espera, respeito, escuta, continuidade. E o país, ao ser visto como exemplo, precisa estar à altura da expectativa. Temos aqui uma oportunidade rara de unir conservação, soberania e desenvolvimento com justiça social.

Quando a terra fala, como têm falado as ilhas dos Bijagós há séculos, o mínimo que o mundo pode fazer é escutar. E o mínimo que nós, guineenses, podemos fazer é responder com dignidade, compromisso e futuro.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.

bantumen.com desenvolvido por Bondhabits. Agência de marketing digital e desenvolvimento de websites e desenvolvimento de apps mobile