Cindy Sissokho traz novas narrativas à Cordoaria Nacional com a exposição “From the surrounds, we build the present

July 4, 2025
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📸 Cindy Sissokho na exposição “From the surrounds, we build the present” | Carolina Sebastião

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A Galeria do Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, em Lisboa, inaugurou, no dia 3 de julho, a exposição From the surrounds, we build the present – ou Com o que nos rodeia, construímos o presente –, com curadoria de Cindy Sissokho e patente até 2 de novembro de 2025. Organizada pela Forward Art Stories Collection em colaboração com as Galerias Municipais/EGEAC, esta mostra coletiva reúne 23 artistas africanos e da diáspora em torno de uma reflexão sobre o quotidiano, o território e as estratégias de resistência nas margens da cidade e da história.

A inauguração decorreu de forma descontraída, com momentos de interação entre o público e a curadora, que, antes da abertura oficial, conduziu uma visita guiada especialmente dirigida aos mediadores da galeria. A exposição distribui-se por três salas, onde estão patentes dois vídeos e um conjunto diversificado de obras. Para além da contemplação artística, o ambiente convidou à conversa e à partilha, num final de tarde que proporcionou um espaço de encontro entre artistas, curadores e visitantes.

Edgar Chagas, um dos artistas do cartaz, marcou presença na inauguração e declarou o entusiasmo em fazer parte da iniciativa: “Acho que é muito bom partilhar o trabalho. A exposição ser aberta ao público mantém as obras vivas e deixa que sejam questionadas, aumentando o debate entre as pessoas, então para mim é gratificante.” O artista levou à exposição duas fotografias de séries diferentes, uma delas intitulada “Tipo Passe”, que evoca a questão da identidade e a outra, máscaras africanas que compra nos mercados angolanos.

A escolha dos artistas reflete a intenção de curadoria de Cindy Sissokho, que se posiciona com o objetivo claro de destacar vozes racializadas e marginalizadas. O seu trabalho enquanto curadora, produtora cultural, consultora de arte e escritora, tem foco em práticas anticoloniais, sociais e políticas nas artes e na cultura.



Em entrevista à BANTUMEN, a curadora explicou que o título da exposição From the surrounds, we build the present parte do conceito do académico AbdouMaliq Simone, com quem já colaborou em Londres. “O ‘surround’ representa os espaços fora do centro, onde as pessoas constroem as suas próprias infraestruturas, vidas e possibilidades. Em Lisboa, penso logo em Almada, nos subúrbios, nas margens”, partilhou. Para Sissokho, trata-se de pensar como esses lugares, humanos ou não, são motores de criação, fuga, resistência, e sobretudo de presença.

A sua prática curatorial assenta no compromisso com narrativas anticoloniais e marginalizadas. “O que faço é dar espaço às histórias que não são contadas. Às histórias silenciadas. Trabalhar com artistas negros, racializados e indígenas é central. É sobre fazer espaço para outras formas de viver e imaginar o mundo”, declara.

A exposição acolhe nomes consagrados como Abdoulaye Konaté, Grada Kilomba, Edson Chagas, Mónica de Miranda, Kiluanji Kia Henda ou Teresa Kutala Firmino. Ao todo, são 23 artistas representados pela coleção FAS, que tem sede em Lisboa e Luanda, e cujas obras se dividem entre instalações, colagens, esculturas e peças multimédia que ativam memória, desconstrução e reexistência.

A curadora falou ainda da importância do “mito” como ferramenta narrativa e política: “O mito, aqui, é usado como modo de resistência. Contra o apagamento. É uma forma de construir histórias alternativas. A Grada Kilomba, por exemplo, trabalha com mitos greco-romanos como Antígona e Narciso para nos levar a ver outras verdades, outras feridas.”

Durante a conversa, Sissokho relembrou que a sua trajetória também se faz de escrita e de consultoria artística. “Escrever ajuda-me a organizar o pensamento antes de o materializar num espaço. Escrever é o primeiro gesto de curadoria. E apoiar artistas e outros curadores também faz parte da minha missão.”

Questionada sobre o que diferencia este projeto da sua participação na Bienal de Veneza, onde co-curou o Pavilhão Francês com Julien Creuzet em 2024, respondeu que “a Bienal foi o trabalho de um só artista, ao longo de um ano e meio. Aqui tive menos tempo, mas muitos mais artistas e uma relação com Lisboa que quero continuar a construir. Cada cidade dá outro corpo ao meu trabalho.” A cidade tem, de facto, um lugar especial nesta fase da sua carreira, sendo apontada como local onde pretende estabelecer-se e desenvolver projetos. “Quero viver aqui, estou a tentar criar mais relação com a cidade. Há artistas lusófonos com quem já acompanhava o trabalho como a Mónica de Miranda ou o Kiluanji Kia Henda.”

No final da entrevista, Cindy Sissokho revelou que uma das suas maiores alegrias foi incluir a obra de Abdoulaye Konaté, artista maliano, com quem sente uma ligação de afinidade, sobretudo pelas raízes que têm em comum. “Sou do Mali e do Senegal. As texturas, os tecidos são familiares, são da minha casa, da minha família. Tê-los aqui é também estar aqui de forma inteira.”

A exposição convida o público a questionar o centro, a desafiar os mitos coloniais, e a reconstruir o agora com o que está nas margens. É, como disse a própria curadora, um “ trabalho repleto de alegria” e posiciona-se, como uma proposta curatorial que desafia as hierarquias da arte e oferece ao público um encontro com linguagens plurais, corpos diversos e histórias de um novo ponto de vista, mostrando que há espaço para outras narrativas, sobretudo numa altura em que começa a observar-se uma reconfiguração cultural e política em Portugal.

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