A travessia musical de Criolo e Dino d'Santiago entre Brasil e Cabo Verde

June 5, 2025
criolo dino dsantiago
📸 Criolo fotogrado por Eddie Pipocas | BANTUMEN

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O mar que separa Brasil e Cabo Verde é também o que une as suas expressões culturais. No Hotel PraiaMar, na cidade da Praia, o rapper brasileiro Criolo e o músico cabo-verdiano Dino D'Santiago partilharam memórias e reflexões que mostram de que forma a música tem servido de ponte entre geografias, identidades e histórias de vida. O encontro aconteceu em abril, durante o Atlantic Music Expo (AME), evento anual onde Cabo Verde se tem afirmado como palco de cruzamentos sonoros e ponto de encontro entre profissionais da música do continente africano, da Europa e das Américas.

Nascido Kleber Cavalcante Gomes, Criolo é um dos nomes mais respeitados da música brasileira contemporânea, com mais de três décadas de percurso no rap. Começou a escrever as suas primeiras rimas em 1989, em São Paulo, e, desde então, construiu uma carreira marcada por inquietação artística e pela procura de diálogo com diferentes realidades culturais e sociais. “Em 2010, 2011, houve uma transformação na minha vida, da música me levar a conhecer outras pessoas de outras camadas sociais e de outras expressões artísticas do país”, afirmou, sublinhando a capacidade da arte para criar pontos de contacto entre universos distintos.

A relação entre Criolo e Dino D'Santiago é um reflexo concreto dessa possibilidade de aproximação. Depois de ter sido nomeado para o Grammy Latino em duas categorias, Criolo passou por Lisboa, local onde veio a conhecer Dino. Este, por sua vez, já procurava há algum tempo estabelecer contacto com o artista brasileiro. “Quando cheguei lá, encontrei o Dino sentado. Estava a decorrer uma exposição e ele contou-me uma história”, recorda Criolo. Durante esse encontro, Dino partilhou um episódio que marcaria a sua viragem enquanto artista a solo, depois de vários anos como back vocal da banda Expensive Soul. O ponto de viragem surgiu precisamente com o álbum Nó na Orelha, lançado por Criolo em 2011.

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📸 Criolo fotografado por Eddie Pipocas | BANTUMEN

“Ele disse que veio até à terra dele junto com o seu amigo Miguel, pegaram um carro e foram até outra praia, foram até Tarrafal, foram e voltaram, foram e voltaram, escutando o meu disco”, contou Criolo, visivelmente emocionado com o relato. O disco que consolidou a carreira do brasileiro acabou por ter um impacto decisivo na vida de Dino, conferindo-lhe coragem para seguir o seu próprio percurso artístico. “O conjunto estético do que ele visitou em música, junto à minha história, emocionou-o muito”, acrescentou, sublinhando o potencial transformador das experiências partilhadas através da música.

Apesar dessa ligação afetiva e criativa entre Brasil e Cabo Verde, Criolo não deixou de assinalar os entraves estruturais que dificultam uma relação mais profunda entre os dois contextos. Referiu-se às barreiras económicas, ao racismo e às desigualdades sociais como fatores que continuam a limitar as trocas culturais. “Não há desejo das autoridades com essa aproximação. Eles não estão nem aí, não estão nem preocupados que a gente tenha relações dentro do nosso próprio território”, lamentou, apontando para a ausência de políticas públicas que favoreçam o intercâmbio entre os países da diáspora africana.

Ainda assim, mostrou-se otimista em relação ao papel das novas gerações na construção de pontes entre as comunidades afrodescendentes. “É importante deixar documentado que as poucas pessoas que se movimentam em prol de uma aproximação, se movimentam muito. Essa juventude preta brasileira tem-se movimentado e mostrado novos caminhos de comunicação, novas formas de valorização”, afirmou, ao mesmo tempo que destacou o papel ativo que os jovens têm desempenhado na construção de redes culturais e artísticas alternativas.

Essa vontade de conexão deu origem à colaboração entre Criolo, Dino D'Santiago e o pianista brasileiro Amaro Freitas na música Esperança, trabalho que viria a ser novamente nomeado para o Grammy Latino. “Essa boa energia, essa boa história, sem ninguém saber dessa boa história... Eu acho que essa energia nossa de amor e do inexplicável levou-nos ao Grammy”, comentou Criolo, que realçou também a importância da autenticidade nas parcerias criativas.

Além de afirmar o seu contributo para o mercado musical, anualmente, o Atlantic Music Expo oferece um espaço de encontro entre artistas, produtores, programadores e investigadores, promovendo diálogos que ultrapassam barreiras geográficas e culturais. Para Criolo, a presença em Cabo Verde teve um impacto emocional, que assume estar diretamente relacionado com as suas raízes e com a memória da diáspora. “Todos os dias eu sofro que meus irmãos não podem estar aqui comigo, que meu pai não pode estar aqui comigo, que meus avós não podem estar aqui comigo. É algo inexplicável”, partilhou.

A sua experiência em Cabo Verde é extensível ao sentimento de muitos artistas da diáspora africana que, através da música, procuram formas de reconexão com a ancestralidade. No caso de Criolo e Dino D'Santiago, essa reconexão aconteceu tanto no plano simbólico como no concreto, através de colaborações que alimentam um circuito criativo transatlântico, onde a música continua a ser linguagem comum e ferramenta de transformação.

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