Ignorar a diáspora é desperdiçar o maior recurso dos PALOP

July 7, 2025
Diáspora Lusófona

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Nos corredores discretos dos aeroportos, entre malas de partida e olhares perdidos no horizonte, desenha-se um dos fenómenos mais eloquentes - e menos aproveitados - das economias lusófonas: a emigração.

Durante décadas, os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), bem como o Brasil, que faz parte da CPLP, assistem à saída constante e silenciosa de milhares de cidadãos. O destino? Uma promessa de vida melhor. A origem? Estados independentes, sim, mas ainda fragilizados por economias primarizadas, instabilidade política ou escassa inclusão social.

É tempo de assumir, com honestidade analítica, que a emigração deixou de ser um simples fenómeno demográfico ou uma herança pós-colonial. Ela é hoje um termómetro económico, que revela falhas estruturais nas políticas de emprego, educação, inovação e mobilidade social. E, paradoxalmente, também um ativo inexplorado no balanço das contas nacionais.

Veja-se o caso de Angola. Com um PIB superior a 84 mil milhões de dólares e uma população jovem, o país continua fortemente dependente do petróleo. O desemprego juvenil elevado e a fraca diversificação económica empurram milhares para o exterior. Estima-se que 217 mil angolanos vivem legalmente em Portugal, com remessas modestas - 12 milhões de dólares por ano. Modestas, sim, mas simbólicas. Não tanto pelo volume, mas pela ausência de uma estratégia nacional para os integrar, ouvir e mobilizar como força produtiva transnacional.

O caso de Moçambique é ainda mais paradigmático. Com um Índice de Desenvolvimento Humano de apenas 0,446, o país vive entre promessas de gás natural e realidades de agricultura de subsistência. A diáspora, com mais de 1,2 milhões de moçambicanos, sustenta 3,2% do PIB através de remessas. E no entanto, falta quase tudo: um banco da diáspora, canais de investimento, ou uma política clara de retorno qualificado.

Em contraste, Cabo Verde oferece uma lição de pragmatismo. Pequeno, sim, mas com uma das maiores diásporas proporcionais do mundo. E com visão. As remessas representam mais de 12% do PIB, mas o mais notável é a capacidade institucional de articular cooperação, confiança e investimento com os cabo-verdianos no estrangeiro. A política externa encontra aqui um braço interno de desenvolvimento.

Por outro lado, países como Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe continuam presos a modelos assistencialistas, onde a diáspora é tratada mais como fonte de consumo do que como parceiro estratégico. Os guineenses enviam quase 9% do PIB em remessas. Mas o Estado devolve o quê?

O Brasil, com a maior economia da CPLP, também vive o paradoxo da emigração como sinal de alerta. Crescimento da violência, perda de confiança institucional e desigualdade acentuaram o êxodo nos últimos anos. Os 4,5 milhões de brasileiros no exterior representam uma força difusa, ainda sem coordenação nem aproveitamento estruturado.

O ponto é este: a emigração é um sinal, mas pode ser também uma solução. Tudo depende de como os Estados a lêem e a transformam em política pública.

É hora de criar programas de investimento produtivo com remessas canalizadas para setores estratégicos, estimular o retorno qualificado, com incentivos fiscais e oportunidades reais de reintegração, estabelecer representações da diáspora nos parlamentos e conselhos económicos, fomentar bancos da diáspora e mecanismos de crédito em moeda dupla, promover redes de empreendedores e cientistas lusófonos no exterior.

Enquanto a emigração for tratada como um problema social ou uma válvula de escape, os países lusófonos continuarão a exportar o seu futuro. Mas se for reconhecida como capital estratégico -  humano, financeiro, político e cultural -,  poderá ser o motor mais potente de desenvolvimento inclusivo e partilhado.

O futuro dos PALOP e do Brasil não está apenas dentro das suas fronteiras. Está também entre fronteiras. E o que se faz com essa verdade, é uma escolha política.

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