Festival Kontornu encerra 3.ª edição com balanço positivo, mas futuro incerto devido à ausência de apoio institucional

May 15, 2025
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📸 DR

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Terminou no passado dia 10 de maio, no Tarrafal, na Ilha de Santiago, a terceira edição do Festival Kontornu, um dos maiores eventos de dança contemporânea em Cabo Verde. Durante uma semana, a Cidade da Praia e o Tarrafal receberam artistas de mais de dez nacionalidades, incluindo Portugal, Ucrânia, Brasil, Moçambique, Itália e República Dominicana, num programa que cruzou espetáculos, workshops, performances de rua, artes plásticas e conversas.


Para além do impacto artístico, o festival voltou a afirmar-se como um projeto com forte vocação social, com destaque para a programação infantil e o trabalho de formação de públicos. Centenas de crianças, muitas delas oriundas de bairros periféricos da capital, tiveram acesso gratuito a espetáculos pensados para o seu universo sensorial e cognitivo, num esforço claro de inclusão e democratização do acesso à cultura.


“Expor as crianças à arte desde cedo é plantar noções de cidadania e pertença. Este não foi um gesto simbólico, foi um eixo central da nossa ação”, explicou a organização em nota final.

Além disso, a edição de 2025 contou com uma colaboração com a XV Bienal de Dança do Ceará, do Brasil, que trouxe ao arquipélago dez espetáculos internacionais. Uma parceria que reforçou o diálogo artístico entre os PALOP e alargou o leque de oportunidades de formação para artistas locais.

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universal - Calema/dilsinho

“Há uma hierarquização clara de práticas culturais. Aquelas que questionam, que propõem transformação social, continuam a ser marginalizadas em favor de eventos mais comerciais ou turísticos”

Apesar da adesão do público e da qualidade reconhecida do programa, o Festival Kontornu enfrentou dificuldades operacionais devido à falta de financiamento institucional. A programação foi assegurada por uma equipa reduzida de produtores e técnicos, trabalhando, segundo a organização, em condições de precariedade. “Foi um exercício de resistência. Sem apoio financeiro digno, não há como continuar a exigir tanto de quem trabalha com tanto”, sublinha a direção do festival.


A ausência de representantes do Ministério da Cultura e da autarquia da Praia durante o evento, bem como a omissão do festival nos canais de comunicação oficiais, foi interpretada pela organização como uma forma de apagamento simbólico — e político.


“Há uma hierarquização clara de práticas culturais. Aquelas que questionam, que propõem transformação social, continuam a ser marginalizadas em favor de eventos mais comerciais ou turísticos”, acrescenta a nota.


A direção do Festival Kontornu é clara: sem um compromisso real por parte do Estado e das autarquias, a continuidade do evento está posta em causa. O encerramento da terceira edição marcou também um ponto de viragem.


“Não avançaremos com uma quarta edição se não houver um aporte financeiro que dignifique os profissionais envolvidos. Não se trata de caridade — trata-se de cumprir o que está na Constituição de Cabo Verde”, afirmam, referindo-se ao artigo 78.º, que consagra o direito de todos à criação e fruição cultural, e a responsabilidade do Estado na promoção desse direito.


O festival tem-se afirmado como uma plataforma internacional de intercâmbio artístico, formação crítica e projeção da dança contemporânea cabo-verdiana, mas sem financiamento estável e políticas públicas que reconheçam o seu valor estratégico, o projeto pode não ter continuidade.


“O impacto do Kontornu vai muito além da arte — ele atravessa o turismo cultural, a economia local, a educação artística e a coesão social. O seu desaparecimento seria uma derrota coletiva”, conclui a organização.



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