Goose08 apresenta “Não Vim Falar de Amor”, um retrato sobre vulnerabilidade, desapego e crescimento

November 19, 2025

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Goose08, nome artístico de Lukeni Gomes, apresentou recentemente o seu novo projeto “Não Vim Falar de Amor”, uma declaração paradoxal que aborda o amor em todas as suas formas, sobretudo aquele que nasce da perda. O trabalho reflete a maturidade e as experiências pessoais do artista numa convergência entre Portugal, o país onde nasceu, e Angola e Moçambique, países onde tem raízes familiares.

Numa conversa intimista com Wilds Gomes, o rapper partilhou o processo de criação do EP, a importância da honestidade artística e o caminho de autoconhecimento que o levou a transformar a dor em lírica. Entre versos e silêncios, Goose08 mostra que crescer também é aprender a contar a própria história.


©BANTUMEN

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Se tu fosses apresentar-te a alguém que não te conhece e também não conhece a tua música, o que é que dirias?


Goose zero eight, mais conhecido como Zero8, se calhar (risos). Sou um artista emergente português, raízes angolanas e moçambicanas. Basicamente a minha música é um espelho, não só da maneira como eu vejo as coisas, mas às vezes uma personificação das coisas em si. Tem muito a ver com experiências, frases, vivências que eu ouvi e vi de pessoas próximas. E basicamente é isso, acho que sou um porta-voz, não de pessoas como eu, mas de pessoas que têm alguma curiosidade de olhar para as coisas, não só de uma forma.



Num cenário musical cada vez mais saturado, com muitos artistas a surgir e sons semelhantes a repetir-se, o que é que distingue o Zero8 e como é que tu defines a tua identidade artística na cena do rap atual?


Não diferente porque isso pode soar a soberba e na verdade não quer dizer nem melhor nem pior, mas não sei se diria único ou real. Real no sentido de que eu faço o que eu acho que tenho que fazer. Não que eu ache que as pessoas tenham que ouvir ou isto ou aquilo, ou é o certo e tem que ser assim e quem não faz assim não está certo, não, mas é porque a minha música é sempre um reflexo de alguma coisa. Sendo eu uma pessoa muito seletiva com o que ouço, com as pessoas com quem ando, eu não me sinto confortável em não ser transparente, neste caso com a minha música.


Acredito que a parte da estética, seja visual, seja musical, vem muito daí, porque eu tento passar as coisas da forma como elas são, com erros. Às vezes não tem a ver tanto com falta de atenção ou não ser perfeccionista, mas para ter um toque meu, para quem ouvir perceber: 'ok, eu consegui perceber isto desta forma, consegui ouvir isto desta forma'. Porque realmente foi assim que ele pensou em fazer e em entregar-nos o resultado'.


Falando do teu EP, que se chama "Não Vim Falar de Amor", qual o motivo para não falar de amor, quando o projeto acaba por girar à volta desse tema?


Na verdade, o projeto começou a ser feito virado para o amor e, inicialmente, era. Vou confessar aqui uma coisa: inicialmente era como se fosse uma investida no tentar reatar uma relação. Então foi tudo muito próprio, tudo muito intenso, porque foi feito com esse carisma mesmo de eu exprimir isto desta forma, e de alguma forma eu vou tentar que seja compreendido. 


Com o passar do tempo, com o entra e sai de músicas, eu fui percebendo que devia abordar o assunto de outra forma e não tanto explicar o que se passou comigo, ou ser propriamente sobre mim. Eu queria explicar outra perspectiva e tentar personificar a relação, o término, a dor, o amor, o prazer e tudo isso como se fosse uma pessoa. Como se fosse, por exemplo, eu a falar de mim para ele [outra pessoa] e, se calhar, com o passar do tempo, tornou-se mais um agradecimento pelo que passou e pela forma como eu comecei a perceber algumas coisas que só se percebem estando fora. 


Tu disseste que queres retratar o que viveste, sem, porém, propriamente falar de ti. Como é que se equilibra essa distância pessoal com a sensibilidade emocional das letras?


Acho que é tentarmos tirar o pé da bolha e olharmos para a situação realmente como ela é, porque é muito fácil falar de amor, mas eu tentei falar do amor, não como algo puramente certo, até pode ser isto: quem sente amor sente e quem não sente não sabe o que é sentir. 


Então foi no meio de perceber e também aprender, se calhar a amar de outras formas, que eu consegui perceber que ok, o assunto é maioritariamente sobre amor, mas eu não quero que isto seja visto como ok, é um EP, é um projeto em que ele está a falar da relação dele ou da relação passada ou da situação em si, então acho que é um misto do que eu vivi, do que eu consegui perceber, também vendo outras coisas à volta, não só a minha relação mesmo, e acho que é uma mistura disso tudo.

goose08 nao vim falar amor entrevista

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Quando se fala de algo tão íntimo, torna-se vulnerável? Essa vulnerabilidade para ti é uma armadura ou uma forma de te aproximares mais das pessoas?


Acho que é um bocado dos dois. Torna-se uma armadura no sentido em que, a partir do momento em que eu decido expor-me a esse ponto, é como se diz, quando tens vergonha de alguma coisa, tu és sempre um alvo, e quando tu expões isso para fora, é como se já ninguém pudesse dizer nada que tu não saibas. Já não te afeta da mesma forma, e tu é que decidiste, na verdade, expor as coisas da forma que foi. 


E no meu caso, às vezes tocam em nomes, em situações que quem é próximo ou quem tem alguma noção sabe do que é que eu posso estar a falar, e isso torna tudo um bocado mais... é contraditório, porque torna-te vulnerável, mas ao mesmo tempo tu sentes-te mais capaz de mostrar isso ao mundo. E acho que é isso.


Este projeto tem quatro faixas. De que forma cada uma delas acaba por contribuir para esse retrato das diferentes fases do relacionamento?


Acho que acabei por encontrar uma forma prática de estruturar o projeto, embora, no início, tudo tenha surgido apenas como um exercício de expressão. As ideias foram aparecendo espontaneamente, sem uma intenção clara de organização. Com o tempo, à medida que as faixas começaram a ganhar forma, percebi que não queria dividir o EP em fases rígidas, do tipo “esta música fala disto” e “aquela fala daquilo”. Preferi deixar que o conjunto se equilibrasse naturalmente.


Posso adiantar que a primeira faixa é a mais sensível, quase uma introdução. Não é específica sobre um término, nem sobre saudade ou bons momentos; é mais uma porta de entrada para o que vem a seguir, uma espécie de enquadramento emocional.

Já a segunda faixa tem uma leveza diferente. Fala mais de prazer, de bons momentos e da singularidade que cada instante pode ter. Não é sobre a pessoa, mas sobre o momento em si — como se ganhasse vida própria. É uma abordagem mais descontraída, talvez até mais apelativa, para traduzir a sensação de viver o instante sem o peso de analisá-lo.


Mas dá para separar o momento da pessoa?


Acredito que sim. Se deres um passo atrás e olhares para a situação com alguma distância, percebes que é difícil separar o momento das sensações, porque ele estará sempre ligado à pessoa com quem o viveste, ao lugar e à própria circunstância. Ainda assim, quando consegues sentir gratidão pelo que aconteceu, seja pela entrada, saída ou permanência dessa pessoa na tua vida, torna-se possível olhar para o momento com mais serenidade. É aquele reconhecimento de que algo foi realmente bom e que ainda consegues reviver a sensação, sem o peso do apego.


Quando manténs a pessoa presa ao momento, corres o risco de distorcer a pessoa, de confundir o valor do instante com os sentimentos que desenvolveste. Surgem as dúvidas: será que a outra pessoa sentiu o mesmo? Será que esse momento significou igual para ambos? É por isso que acredito ser importante separar o momento da pessoa, pelo menos o suficiente para compreenderes o que realmente pertence a ti.


Na terceira faixa, procurei traduzir esse processo em dois versos. O primeiro é cru, quase um desabafo, sem filtros nem preocupação com a estética. O segundo tem uma abordagem diferente: falo de fora para dentro, transformando o amor numa entidade, como se ele próprio fosse uma pessoa. Nessa conversa imaginária, questiono o papel que o amor teve na minha vida, o que ofereceu, o que reteve e, talvez, o que impediu de florescer.


Por fim, a última faixa funciona como síntese. É um fecho com alguma dor, mas também com compreensão. Não é um ponto final nem um “continua” — talvez um ponto e vírgula. Representa o momento em que aceito o que aconteceu, reconheço o que foi, sem procurar culpados ou hipóteses alternativas. É um fecho em paz, comigo e com a situação.


Sentes que este EP reflete o teu crescimento ao longo dos últimos anos? Mais do que uma evolução pessoal, parece um trabalho mais maduro e consciente da pessoa que és hoje e da forma como sentes as coisas. O que é que ele acaba por revelar sobre a tua evolução como artista e sobre os caminhos que queres seguir daqui para a frente?


Acho que, acima de tudo, este EP representa uma abertura total à vulnerabilidade. Em fases anteriores, quando queria mostrar esse lado mais íntimo, nunca o fazia por completo — tentava transmitir algo, mas sem me expor por inteiro. Isso fazia com que nem sempre conseguisse ser totalmente verdadeiro comigo nem retratar as situações da forma mais autêntica.


Desta vez foi diferente. Pela sonoridade, pela escrita e pelos temas que abordei, senti que ganhei coragem e curiosidade para explorar novos caminhos. Também, no lado visual, percebi que posso olhar para a música de outras formas, sem me prender a uma única direção. Não digo que este seja o rumo definitivo, mas foi uma experiência que me deu uma nova visão sobre como quero criar e expressar-me nos próximos trabalhos.

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