No Dia Mundial do Jazz, celebramos a sua alma africana 

April 30, 2025
jazz alma africana

Partilhar

Nascido no cruzamento de memórias africanas, blues, ragtime e espirituais, o jazz é uma das expressões mais profundas da identidade afro-americana. Mas foi através dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial que esta linguagem musical começou a ecoar para além das margens do Mississipi, atravessando o Atlântico para conquistar a Europa. Curiosamente, esse percurso não se deve apenas à força criativa dos músicos, mas também à mobilização histórica de tropas afro-americanas e africanas.


Quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, em 1917, milhares de soldados afro-americanos foram enviados para a Europa. Entre eles, a famosíssima 369th Infantry Regiment, conhecida como os "Harlem Hellfighters". O seu regimento tinha uma banda liderada por James Reese Europe, um dos grandes visionários do ragtime e do "proto-jazz". Esta banda não só animava as tropas como também dava concertos públicos em França, espalhando a energia do novo som afro-americano.


Em simultâneo, contingentes africanos oriundos das colónias francesas, como o Senegal, Mali, Congo e Madagáscar e que ficaram conhecidos como Les Tirailleurs Senegalais (os fuzileiros senegaleses) - também combatiam na Europa. Embora a interação direta entre músicos afro-americanos e soldados africanos não tenha deixado registos formais nesse período, havia uma troca invisível de presença cultural.


O jazz, com as suas polirritmias, a improvisação livre e o "call and response", carregava uma essência africana que se reconhecia para além da língua ou da origem. Foi por isso que, quando em Paris se ouviu pela primeira vez aquela música, houve uma ligação quase imediata.


A França do pós-guerra tornou-se um dos primeiros grandes palcos internacionais do jazz. Nos clubes de Montmartre e nas festas privadas da alta sociedade parisiense, o jazz tornou-se sinónimo de modernidade e liberdade. Músicos afro-americanos como Sidney Bechet, Josephine Baker e depois Dexter Gordon ou Bud Powell encontraram em Paris uma casa onde podiam criar longe do racismo institucionalizado dos EUA. É verdade que, em França, a comunidade negra não vivia numa realidade ideal, o preconceito existia e havia desigualdades. Ainda assim, muitos músicos e artistas afro-americanos sentiram ali uma liberdade que lhes era negada nos Estados Unidos, onde vigoravam as leis de Jim Crow, responsáveis por institucionalizar a segregação racial no país.


Esta expansão não foi apenas musical. O jazz tornou-se parte do movimento de consciência negra em ascensão. Inspirou figuras do movimento da Negritude, como Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor, que viam na música um espelho da resistência africana e da dignidade cultural dos povos colonizados.


Se o jazz não nasceu do cruzamento direto entre tropas afro-americanas e africanas, é inegável que a Guerra acelerou a sua migração e metamorfose, criando pontes sonoras que ainda hoje ecoam. O jazz atravessou fronteiras, mas nunca perdeu a alma africana que lhe deu origem: o ritmo que fala da liberdade, da dor, da alegria e da infinita capacidade humana de criar a partir da adversidade.


Hoje, mais de um século depois, o estilo musical, em termos globais, foi reinventado e, muitas, vezes até reapropriado mas as heranças desse encontro continuam a renovar-se. Das sonoridades afro ao hip hop, passando pelas fusões contemporâneas entre sons urbanos africanos e o jazz, o diálogo iniciado entre continentes através de músicos e soldados permanece vivo, potente e cada vez mais global.


Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para redacao@bantumen.com.

bantumen.com desenvolvido por Bondhabits. Agência de marketing digital e desenvolvimento de websites e desenvolvimento de apps mobile