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Em fevereiro de 2025, nasceu na Guiné-Bissau o projeto “Meninas Sem Peruca”, uma iniciativa criada pelo professor universitário Nkanande Ka. A proposta traz uma reflexão sobre estética, identidade e emancipação cultural no continente africano, tratando-se de um movimento de consciencialização que procura realçar a beleza da mulher africana por meio do cabelo natural, questionando heranças coloniais e influências eurocêntricas que moldaram os padrões de beleza.
O projeto surge num contexto em que a relação das mulheres africanas com o cabelo tem sido marcada por tensões históricas e sociais. Durante séculos, padrões coloniais e eurocêntricos ditaram que a estética aceitável passava pelo alisamento, pelas extensões ou pelas perucas. Hoje, os números confirmam o impacto dessas pressões: segundo um estudo da Duke University, mulheres negras com penteados naturais, como tranças, twists ou afro, são frequentemente percecionadas como menos profissionais do que aquelas que apresentam cabelo alisado, condicionando oportunidades de emprego e progressão na carreira.
Para além da dimensão simbólica e estética, há estudos concretos que mostram como a relação da mulher africana com o próprio cabelo vai muito além do visível. O estudo “Crowned In My Confidence”, realizado com adolescentes afrodescendentes, demonstrou que a autoestima associada ao cabelo - o chamado hair-esteem - está diretamente ligada a níveis de ansiedade e depressão. Outros trabalhos sublinham que muitas mulheres negras vivem com uma ansiedade constante em torno do cabelo, seja pela manutenção exigida, seja pelo receio de julgamento social.
Paralelamente, a investigação “Good Hair Study”, conduzida pelo Perception Institute, revelou que tanto mulheres como homens, negros e brancos, demonstram vieses explícitos e implícitos contra cabelos afro ou muito texturizados. Apesar de movimentos crescentes de valorização do cabelo natural, a discriminação persiste em vários contextos sociais
A BANTUMEN conversou com Nkanande Ka para compreender melhor a missão, os desafios e os horizontes da iniciativa.
O fundador do projeto recorda que, desde o regresso aos estudos em 2003, tem sido movido pela defesa dos valores africanos, sobretudo numa perspetiva de emancipação. “Depois de voltar percebi que a nossa sociedade continua mergulhada num processo colonial, presente em todas as estruturas políticas, sociais, económicas, religiosas. Foi a partir dessa realidade que desenvolvi um pensamento orientado para uma perspetiva africana, dentro de um contexto pan-africanista ou, podemos dizer, de uma África na sua dimensão mais ampla.”
O projeto nasceu no espaço universitário com a missão de promover a emancipação da consciência dos africanos submetidos ao obscurantismo, transformando-se mais tarde num movimento social com o mesmo propósito. “A nossa missão é levar a mensagem da emancipação. Muitas pessoas confundem emancipação com libertação, mas são coisas diferentes. Libertação é quando, dentro de um contexto colonial, conquistamos a independência. Mas, como dizia Thomas Sankara, para os colonizadores era mais importante controlar a mente do que o corpo, porque o corpo pode ser libertado, mas a mente continua aprisionada. Hoje estamos ainda muito aprisionados, e é por isso que muitos africanos não conseguem pensar a partir da sua realidade, mas apenas a partir de referências externas. A nossa missão é permitir que o sujeito pense por meio da sua própria realidade.”
Para Nkanande Ka, cada povo expressa a sua identidade através da cor da pele, do nome, dos penteados, e também do cabelo. Este elemento, além de carregar uma dimensão estética, representa um símbolo de memória, resistência e pertença. “O cabelo tem uma importância histórica na valorização da nossa identidade cultural e, ao mesmo tempo, traduz a beleza da mulher africana. Não apenas das mulheres, mas também dos homens, que sempre diversificaram os penteados através de tranças. Durante o processo colonial, esses elementos foram reduzidos ao campo da estética, mas hoje assumem um significado mais amplo. Para nós, o cabelo é a coroa da mulher africana e não pode ser desprezado em função de outro tipo de cabelo.”
O professor sublinha ainda que a liberdade conquistada em África continua condicionada, já que os colonizadores árabes e europeus não respeitaram a autonomia dos povos africanos. “A liberdade que temos hoje é uma liberdade limitada, porque, quando os colonizadores chegaram, não respeitaram a liberdade de escolha. Impuseram contextos religiosos, culturais, políticos e económicos. Por isso, ainda hoje os africanos não conseguem revisitar plenamente os valores que tinham antes da chegada dos colonizadores.”
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