Multiartista baiano lança território afrocênico de celebração negra

May 20, 2025
nando zambia entrevista
📸 Nando Zâmbia em Ensaio Pelô | Adeloyá Ojúbará

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O que mudou para a população negra no Brasil durante a primeira Década Internacional dos Afrodescendentes instituída pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas? Há motivos para celebrar? É a partir dessas indagações que Nando Zâmbia, ator, diretor, iluminador, produtor e gestor cultural cria a ELEGBAPHO – Território Afrocênico de Celebração Negra, um espaço de reflexão e trocas artísticas que irá nutrir a dramaturgia do seu mais novo espetáculo.


Candomblecista e iniciado para Exu, divindade do candomblé que atua como mensageiro e intermediário entre os seres humanos e os orixás, Nando Zâmbia mergulha no universo e referências ancestrais para abordar questões da contemporaneidade. O lançamento foi em abril, em Salvador, capital Baiana, e abriu caminhos para que o trabalho continue em outros encontros e atividades que reunirão outros artistas e pesquisadores negros de outras cidades e estados. “Sabemos que ainda estamos muito longe de uma situação de equidade, e falar do lugar da resistência continua sendo necessário, por outro lado, não podemos esquecer que os nossos ancestrais nunca deixaram de celebrar”, afirma o ator. Para ele, não se trata apenas de elencar possíveis conquistas da população negra que merecem ser celebradas, mas também refletir sobre o que se perde quando se deixa de celebrar.

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Universal // Soraia Ramos

“Qualquer pessoa que pretenda fazer parte das artes negras no Brasil perceberá que será necessário entender quem é você no contexto e qual o contexto em você"

Nando Zâmbia

Formado pela Universidade Federal da Bahia e integrante do Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas, Nando se ancora artisticamente no Teatro Preto de Candomblé, pesquisa desenvolvida ao lado da dramaturga e doutora em Teatro, Onisajé, que também participa de ELEGBAPHO como consultora de dramaturgia. Explica que no Axé todo pedido alcançado deve ser celebrado, pois a celebração é a paga de Exu, o orixá responsável pela comunicação entre o Ayê (plano terreno) e o Orum (plano espiritual), entre os humanos e as divindades. Por isso, esse território festivo homenageia Exu e sua pluralidade: ELEGBAPHO é a junção de Elegbara, orixá de cabeça do artista Nando Zâmbia, com a palavra Bapho, que remete tanto ao calor do fogo - elemento do orixá Exu que simboliza vida e movimento.


O projeto celebra os 25 anos de carreira do artista, cuja infância foi marcada por constantes mudanças de cidade e de bairro. Em cada novo lugar, foram as amizades que lhe serviram de alicerce, despertando seu interesse pelas relações humanas, pelo novo, pelo ato de descobrir e de provocar. 'Ir e vir faz parte de mim', afirma o artista, que encontrou no Teatro a sua grande paixão. “Houve, porém, um cansaço por tantos atravessamentos que nossa condição social, geográfica, financeira, racial nos impingia. Existia um mercado de trabalho e ele não era nas artes. Afinal, jovens negros e periféricos, filhos de empregadas domésticas não eram a realidade dos artistas”, relatou.


Saiu do Brasil e, morando em Portugal para um intercâmbio acadêmico, se especializou ainda mais até levar o seu fazer artístico para outros países como Grécia, Alemanha e Itália. “Trago experiências e vivências de homem negro em nosso contexto para a cena e pesquisa teatral. Qualquer pessoa que pretenda fazer parte das artes negras no Brasil perceberá que será necessário entender quem é você no contexto e qual o contexto em você. Assim sendo, meu papel nos espetáculos e projetos negros passa muito por pesquisar, aprofundar e criar espaços de reflexão que adensem a presença negra na arte, cultura e sociedade brasileira”, ressaltou o artista. Consciente do seu papel político, fez carreira na gestão pública até 2024 e agora segue seus projetos pessoais.


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📸 Nando Zâmbia fotografado por Adeloyá Ojúbará

Este ano de 2025, realizou a direção e construção de roteiro da Web Série “Comida de Terreiro – Alimento por Inteiro”. Previsto para meados do ano, ele se dedica à sexta edição do Festival de Artes de Alagoinhas (FESTA). Para o próximo ano, segue com a montagem cênica de Elegbapho, que tem o apoio do programa Rumos Itaú Cultural 2023-2024.


Zâmbia integrou o NATA – Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas por 20 anos. Foi indicado como ator revelação ao Prêmio Braskem, em 2010, pela sua atuação no espetáculo Dois Perdidos Numa Noite Suja. Com seu primeiro solo, Irumalé Ayê – Divindades na Terra, circulou por países como Portugal, Itália, Alemanha e Grécia. Atuou em montagens do repertório do NATA, como Sirê Obá – A Festa do Rei e Oxum. No audiovisual, assina a direção de Gbagbe – Árvore do Esquecimento, Yawô – Filhos do Encanto (Panorama Raft 2021) e da websérie Comida de Terreiro – Alimento por Inteiro. Como iluminador, é responsável pelo desenho de luz de espetáculos como Pele Negra, Máscaras Brancas, Medeia Negra, Exu – A Boca do Universo, entre outros, apresentados no Brasil e em Portugal.


Na produção, destaca-se como idealizador e organizador do Festival de Artes de Alagoinhas – FESTA, considerado o maior festival de artes do território Litoral Norte e Agreste Baiano, que chega à sua sexta edição em junho deste ano. Na área da educação, coordenou o projeto Escolas Culturais do Governo da Bahia e, em Minas Gerais, atuou como curador-provocador do BDMG Cultural (edição 2023). Na gestão pública, foi coordenador de espaço cultural da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBa).


Ao longo de 25 anos de carreira, Nando Zâmbia participou de grandes produções, percorreu o Brasil e trabalhou ao lado de nomes expressivos do teatro baiano e nacional, como Onisajé, Marfuz, Inaicyra Falcão, Zebrinha, Cobrinha, Fábio Vidal, Jorge Alencar, além da atriz e diretora portuguesa Fernanda Lapa e do diretor português Carlos Nicolau Antunes.


Sobre os desafios da trajetória, reflete: “difícil sempre é. Não podemos nos afastar do que as questões sociais, de classe e raciais fazem de forma silenciosa na subjetividade e existência de um homem negro. Os principais desafios foram me entender como um artista negro do interior da Bahia. A partir disso, a religiosidade negra, o candomblé, ganhou protagonismo e deixou de ser apenas pano de fundo nos espetáculos, permitindo uma pesquisa mais ampla e profunda sobre o ser negro no Brasil. Afinal, dificilmente conseguimos separar a história e a cultura negra das relações éticas do candomblé, grande guardião da cultura africana e diaspórica.” E finaliza com um recado: “celebre as existências, entenda sua história e procure saber quem você é. Exista!”


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