Nayr Faquirá estreia-se com Entrelinhas, um álbum cru, íntimo e pessoal

May 19, 2025

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Nayr Faquirá, cantora e compositora de origem moçambicana, lança a dia 23 de maio Entrelinhas, álbum de estreia em que se dá a conhecer num registo íntimo e pessoal. A dias do lançamento, a BANTUMEN teve a oportunidade de conversar com a cantora, num momento que também antecede o concerto de apresentação do álbum, marcado para o dia 24 de maio no Musicbox Lisboa.


“On and On”, lançado em março, é o primeiro single do álbum e funciona como porta de entrada para o universo emocional e político de Entrelinhas. A faixa aborda a ideia de um ciclo contínuo, ao mesmo tempo que reflete a luta pessoal da artista e a sua afirmação enquanto mulher negra na indústria musical. Mais do que uma introdução, o tema carrega uma energia confessional que representa tanto o percurso de Nayr como as vivências de muitas outras mulheres que, como ela, procuram afirmar a sua voz num meio ainda marcado por desigualdades.


Questionada sobre o que a levou a escrever a faixa, esclarece que não houve um episódio específico. “Acho que não houve um episódio em específico. Foram várias conversas com pessoas, mulheres, no caso, da indústria. Eu comecei há pouco tempo a conhecer mais mulheres negras que faziam música como eu, que escrevem, produzem... Isto surgiu de várias conversas com amigas, que sentiam esse nó na garganta quando queremos falar de algumas coisas que ainda são tabu e que não nos são muito favoráveis quando queremos marcar um lugar na indústria.”

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“A verdade é que sempre canalizei tudo para a escrita musical”


Transformar o tabu em música, para a artista, passa por canalizar a raiva. É também esse o combustível emocional que tem alimentado a sua escrita. “A raiva ajuda um bocado, não vou mentir. É o sentimento que mais me tem ajudado a dizer as coisas e a criar meio que uma carapuça em relação àquilo que vou ouvindo.” Cada episódio desagradável serve de alerta e preparação: “penso sempre, isto é só um bocadinho, ainda vai piorar, no sentido de me preparar emocionalmente. Transformar a raiva em força tem sido essencial.”


Não esconde que esse impulso é parte do seu processo criativo. Apesar de o álbum conter 14 faixas, Nayr escreveu mais de uma centena de canções. “Lembro-me de me perguntarem o que é que me tinha acontecido por escrever tanta coisa. A verdade é que sempre canalizei tudo para a escrita musical. Há quem pinte, quem dance… eu escrevo.” A artista inspirou-se em tudo o que a rodeava, desde términos amorosos a conversas de café com amigas, para construir um trabalho que representasse o seu “primeiro capítulo”.


E é nesse sentido que surge Entrelinhas, álbum onde assume que não quis esconder as sombras que também fazem parte da sua história. Ao longo do novo trabalho, dá a conhecer um lado marcado por traumas e silêncios forçados. Sendo uma obra autobiográfica, a artista recusou-se a mostrar apenas a faceta leve ou bem-disposta, frequentemente traduzida em diss tracks sobre relações falhadas. Preferiu ir mais fundo e abordar, de forma pessoal, a experiência de ser uma mulher negra numa indústria ainda marcada por dinâmicas de assédio e abuso. “Levou tempo até eu estar à vontade com isso, mas era importante”, sublinha. Para Nayr, não basta entreter: é preciso confrontar. “Quero que as pessoas se sintam um bocado desconfortáveis ao ouvir. Para entrar no meu mundo, têm de passar por esse desconforto.”


“A razão pela qual estou a fazer isto é porque me faz feliz”

Nayr Faquirá

A fluidez do álbum está também na forma como Nayr Faquirá transita entre diferentes camadas da sua identidade, sem se prender a um único registo. A sensualidade, o ativismo, o humor e a fragilidade emocional coexistem entre si, dando corpo a um disco que espelha a complexidade de quem o criou. Em vez de se limitar a uma só narrativa, Nayr escolhe mostrar-se por inteiro: múltipla, contraditória e humana, num registo que se reflete nos géneros musicais que atravessa e que vão desde o hip hop ao soul.


“Cresci a ouvir Stevie Wonder, Tupac, Sara Tavares, Paulo Flores, Manecas Costa, Destiny’s Child, Aaliyah, Michael Jackson… Os meus pais ouviam muitos álbuns em casa. Tudo vem da black music. Se tivesse de escolher uma raiz, diria r&b, porque foi com isso que comecei a cantar. Mas também ouço muito hip hop, samba, MPB, até rock já tentei ouvir mais para sair da zona de conforto. A base é o r&b, mas sinto-me em casa em vários sítios.”


Apesar de ser mais pessoal, Entrelinhas não foi feito só para um grupo específico. Para Nayr, era importante que quem ouvisse, independentemente do que viveu, se conseguisse identificar, criar ligações e tirar algo do que está a ser contado. A ideia nunca foi fechar o disco num nicho, mas abrir espaço para diferentes leituras e sentimentos.


“Obviamente que há muita gente que se vai identificar mais, mulheres negras, principalmente. Mas também quero que pessoas que não passam pelas mesmas coisas que eu, mas por outras, consigam ouvir, conversar, relacionar-se. Pode haver quem só queira ouvir os sons mais club, está tudo bem. Há quem se identifique com as faixas mais ativistas ou com os heartbreak songs. Eu quero que o álbum seja um debate aberto, não só para algumas pessoas.”


E se Entrelinhas fosse uma carta para a Nayr de há 10 anos? “Diria que as pessoas vão falar independentemente de tudo. Seja eu a melhor ou a pior cantora, mais bonita, mais gorda, mais magra, mais bem apresentada segundo a indústria… vão falar sempre. Então, no fim do dia, não há necessidade de fazer tudo com tantas barreiras. E também diria: não te leves tão a sério. É suposto ser divertido. A razão pela qual estou a fazer isto é porque me faz feliz, conclui.


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