Golpe de Estado na Guiné-Bissau ou encenação para perpetuar a ditadura?

November 26, 2025
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©️ DW AFRICA

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Nas últimas horas, a Guiné-Bissau voltou a ocupar as primeiras páginas da comunicação social, desta vez devido a alegados acontecimentos que muitos classificam como um “golpe de Estado”. Mas importa analisar os factos com atenção e colocar as questões certas: quem teria interesse em derrubar o presidente cessante, Umaro Sissoco Embaló, cujas atas eleitorais indicam que perdeu as eleições presidenciais logo na primeira volta? E, sobretudo, quem sai a ganhar com esta crise?


O país realizou eleições gerais no último fim de semana, depois de seis anos de governação marcada pela repressão, perseguições, mortes, tráfico de drogas e restrições às liberdades civis sob o governo de Sissoco Embaló. Durante este período, órgãos de comunicação social como a Lusa, RTP e RDP foram expulsos, cidadãos foram forçados ao exílio devido a perseguições políticas, e crimes graves – incluindo sequestros, assassinatos e espancamentos – continuam por resolver. A Guiné-Bissau viveu sob medo, violência e impunidade, com barões da droga e raptos a marcar o quotidiano da população.

Nas eleições recentes, o principal partido do país, o PAIGC, e a sua coligação PAI TERRA RANKA foram impedidos de concorrer. Após o afastamento do seu líder, o PAIGC decidiu apoiar Fernando Dias da Costa, candidato independente, mobilizando os seus eleitores para votar massivamente nele. Todas as atas publicadas indicam que Fernando Dias da Costa venceu a primeira volta, sendo visto pelo povo como a alternativa capaz de libertar o país da ditadura de Sissoco Embaló.

No entanto, e ao que tudo indica, Sissoco não aceitou a derrota e começou a movimentar-se junto dos quartéis, contando com aliados regionais, especialmente da Guiné-Conacri, e com alguns pares da França. Entre os intervenientes esteve o General Konaté, conhecido por estar envolvido em golpes na Guiné-Conacri e na sub-região, que se reuniu em Bissau com Sissoco e sete oficiais militares no palácio presidencial.

Antes do início da campanha, o major-general Mamadu Ture Kuruma, também conhecido como N’Krumah, declarou publicamente o seu apoio a Sissoco Embaló, chocando a opinião pública, uma vez que os militares deveriam manter-se afastados da política. A situação complicou-se ainda mais quando o General Biagué Na N’tam se reuniu com anciãos da etnia Balanta com o mesmo propósito, alegando que alguns militares daquela etnia pretendiam dar-lhe um golpe. Os anciãos Balanta reagiram com veemência, afirmando estar prontos a defender a honra dos seus filhos e da sua etnia.

Perante o receio de fraude eleitoral, o povo passou a noite nas Comissões regionais a proteger a sua escolha. Poucas horas antes da publicação oficial dos resultados, os militares assumiram o controle do país, encerraram as rádios, suspenderam as eleições e impuseram toques de recolher entre as 19h e as 6h. Este episódio foi apresentado por Sissoco Embaló como um “golpe de Estado”, chegando a contactar a revista francesa Jeune Afrique para informar o mundo do ocorrido. A estreita ligação de Sissoco com Emmanuel Macron e com os meios de comunicação franceses suscita dúvidas sobre a imparcialidade desta cobertura, muitas vezes favorável ao presidente cessante.

A reflexão que se impõe é: quem beneficia com este alegado golpe de Estado? Certamente não é o vencedor legítimo das eleições, Fernando Dias da Costa. Quem perde e recusa aceitar o resultado é, paradoxalmente, quem se beneficia da instabilidade, procurando perpetuar-se no poder à força.

Tudo indica que, vindo de Sissoco ou de pessoas próximas a ele, nada pode ser considerado transparente. A Guiné-Bissau merece mais do que manobras políticas, encenações mediáticas e golpes de bastidores. Merece democracia, transparência e respeito pelo voto dos seus cidadãos. O povo guineense tem o direito de conhecer a verdade e de decidir livremente quem quer à frente do país. A comunidade internacional também tem um papel decisivo a desempenhar, garantindo que a democracia não seja mais uma vez sabotada.

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