Sandra Poulson transforma lixo em resistência e ocupa um dos maiores palcos da arte contemporânea nos EUA

July 8, 2025

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Sandra Poulson é uma artista interdisciplinar angolana, formada em Design de Moda na Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa. A sua prática cruza design, escultura, instalação, arquivo e performance, e é marcada por uma abordagem autoetnográfica, em particular pela investigação histórica e política.

A sua prática utiliza o conhecimento familiar e social transmitido para desmantelar os fluxos contemporâneos da realidade em Angola, através de estudos semióticos de objectos comuns (culturais), como utensílios domésticos, que funcionam como actores em transformações políticas e culturais em curso. O que, inerentemente, direciona as questões levantadas pelo trabalho para a tarefa da descolonialidade.

A obra foi comissionada originalmente pela Jahmek Contemporary Art, em Luanda, mas foi elaborada em Amesterdão e apresentada pela primeira vez em Londres, sendo escolhida para ser inaugurada em Nova Iorque, Estados Unidos.

Foi nesse novo contexto que reencontrou uma frase marcante da infância, repetida pelo pai no início dos anos 2000, no apartamento em Luanda onde cresceu: “Este quarto parece uma república.” A expressão, usada para criticar a desordem no quarto dos filhos, atravessou gerações - foi dita pela avó ao pai, nos tempos conturbados da Primeira República portuguesa - e acabou por dar nome à sua primeira exposição individual num museu. Patente até 6 de outubro no MoMA PS1, em Nova Iorque, a mostra propõe um mergulho íntimo e político na forma como heranças familiares, memórias coloniais e objectos quotidianos moldam a resistência e a identidade.

O MoMA PS1 - um dos espaços de arte contemporânea mais importantes dos Estados Unidos, localizado no bairro de Long Island City, em Queens, Nova Iorque - promove a arte e os artistas na intersecção das questões sociais, culturais e políticas do nosso tempo. Ao proporcionar ao público autonomia, acesso ao conhecimento e um fórum para o debate público, o PS1 oferece, há mais de 40 anos, perspectivas sobre as diversas visões do mundo de artistas emergentes.

A artista conta que a expressão vem do hábito que o seu pai tinha de abrir a porta do quarto: “Quando entrava no nosso quarto, meu e dos meus irmãos, ele dizia esta frase porque o quarto estava sempre uma confusão e nós sabíamos que tínhamos de arrumá-lo.”

A artista conta que, em criança, não compreendia o significado da frase, mas que, com o tempo, começou a reflectir sobre ela. Foi então que, ao organizar o seu estúdio, encontrou um post-it onde, além da expressão, estava escrita a palavra “papá”. “Esta frase, antes de ser dita pelo meu pai, foi dita pela minha avó ao meu pai durante a infância dele, nos anos 50, porque, nos primeiros anos da República, o governo português era instável. Então essa frase vem daí”, explica a artista, ao revelar a origem do título da sua exposição.


A experiência no mercado do Kikolo, em Luanda, reforçou esse processo. Lá, Sandra Poulson observou adolescentes a esculpir logotipos corporativos em camas feitas por medida, marcas como Nike, Apple ou a Igreja Universal do Reino de Deus, usadas como “assinatura” dos jovens carpinteiros.

A exposição é composta por peças/esculturas assembleares em que a mobília usada foi encontrada em Amsterdão, na rua, e, com a ajuda de amigos, conseguiu colocá-la no seu estúdio. “Eu coloquei as coisas no meu estúdio e pensei como é que eu me relacionava com aquilo, porque eu tinha em mente que aqueles objetos não me pertenciam”, conta.

Nesse processo de comunicar com as mobílias, visitou uma biblioteca de madeiras perto do seu estúdio e descobriu que, possivelmente, a origem da madeira era tropical: “Aquelas peças de mobiliário que eu achava não ter nada a ver comigo, afinal, algumas delas podiam ser originárias de Angola.”



Um dos trabalhos centrais da exposição é uma cama comprada a um casal de diplomatas norte-americanos, que alegadamente seria de madeira sólida americana. Ao desmontar o objecto, a artista descobre que é feito de madeira prensada, produzido na China. A sensação de engano leva-a a esculpir, na cabeceira da cama, o logótipo da União Europeia. “Quando eu me sinto enganada por aquela cama, eu sinto que é nela que deve conter outro engano”, diz, referindo-se ao logótipo da UE. A obra é ainda uma referência a uma t-shirt distribuída em 2013 a agricultores familiares de Cabinda, com o logótipo da UE em grande escala, bem como a enxadas e baldes com autocolantes europeus.

Sandra Poulson, cuja obra já passou pela Bienal de Veneza, pela Trienal de Sharjah e por diversas instituições culturais europeias, confirma-se como uma das vozes mais relevantes da nova geração de artistas africanos no pensamento descolonial. 

Com Este quarto parece uma república!, Sandra Poulson - que começa a afirmar-se como uma das importante voz da nova geração de artistas africanos - devolve-nos uma reflexão essencial: até que ponto temos consciência dos símbolos que nos habitam?

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